O clima no perímetro urbano é de angústia, quarentena, mas também de cuidado e proteção. Diferente da cidade, onde o comércio está de portas fechadas e algumas indústrias paralisadas, no interior, a rotina no campo não para. Desde o fim do ano passado, o assunto mais comentado na área rural é a estiagem, basta parar e conversar com os mais antigos. Muitos deles relatam que não lembram de uma seca tão severa e contínua.
Durante a semana percorrermos algumas localidades do interior, com o objetivo de ouvir as demandas e a aflição dos agricultores. Começamos o ‘tour’ por Linha Cecília. Na beira da estrada o apicultor Orlando Frey, 70 anos, e o mecânico Elstor Richter, 65 anos, estavam arrumando o trator de Frey.
Ambos gentilmente pararam o serviço e atenderam a reportagem. Uma conversa de poucos minutos, mas repleta de histórias e conhecimentos. “Aqui no interior a gente sabe da gravidade do coronavírus, mas não tem pânico. Nossa grande preocupação é com a terceira idade, aquelas pessoas que estão acostumadas com essa integração dos grupos de terceira idade e não têm como sair, se divertir.”
Frey conta que já presenciou muitas secas. Antigamente era produtor de leite e enfrentou diversas dificuldades. “Para mim, a estiagem é mais preocupante que o coronavírus. Eu já presenciei muitas secas, mas uma severa que nem essa daqui, faz muito tempo. Ela começou na primavera e segue até o outono agora”, desabafa o apicultor.
Dentre as diversas lembranças, Frey destaca uma estiagem que o pai dele sempre relatava. “Meu pai me contava que em 1943 veio uma seca em outubro e não choveu direito até maio do outro ano. Aquela lá também foi histórica, inclusive os livros das famílias alemãs que resgatam a história da imigração abordam isso.”
O mecânico, que se intitula um ‘faz tudo’, logo entrou na conversa e abordou uma experiência de 1985, quando morava na Linha Isabel. Naquele ano, ele recorda de uma estiagem severa. “Perdi toda minha safra. Mas depois na safrinha a gente recuperou, porque ela foi boa. Esse ano a safra e safrinha foram castigadas.”
Com a experiência adquirida ao longo dos anos, ele ressaltou que durante o inverno passado já se comentava que a seca viria. “No inverno a gente percebeu que a seca viria. E ela está aí, porque não teve frio direito.” Com perdas no pasto para o gado, Richter conta que neste ano, as duas safras do milho para o pasto apresentaram espigas grandes, mas sem grãos.
PERDA NAS HORTALIÇAS
Em Centro Linha Brasil, o clima de angústia com a seca também está presente. A aposentada Shirlei Lorena Müller, 66 anos, menciona que em outros anos ela estaria colhendo pepinos. “Nessa época eu estava colhendo pepinos nessa horta. Esse ano não sobrou nada, queimou tudo, só sobrou a terra”, lamenta.
Após a colheita do pepino, Shirlei plantava beterrabas. As sementes eram exóticas, especiais, trazidas da Expoagro, que neste ano acabou sendo cancelada em função do coronavírus. “Era comum, todo ano a gente ia para a Expoagro e eu voltava com as sementes de beterraba. Esse ano não achei as sementes por aqui, então não vou ter o que plantar.”
O que sobrou, segundo a aposentada, também não rendeu. Apesar do aipim estar resistindo, as raízes estão apodrecendo.
Shirlei também está preocupada com a pandemia do coronavírus e lamenta o fato de não terem os momentos de integração. “A gente tinha nossa rotina. Era bingo, jogos de cartas, clube de mães, terceira idade, sempre estávamos rodeados de amigos. Agora não, a gente sabe que precisa se resguardar e ficar em casa. Esperamos que isso passe logo”, observa a agricultora aposentada.
SAUDADE DOS NETOS
Quem está aflita com os reflexos que serão sentidos nos próximos meses é a professora aposentada Eloá Silvia Bartholdy, 68 anos. Ela enfatiza a tranquilidade do interior, a possibilidade de ter um ar puro, mas não esconde a angústia. “Me dói, esse vai ser o terceiro fim de semana sem ter a casa cheia, sem ver meus filhos e meus netos. Isso me dói muito”, desabafa.
A moradora de Linha Marechal Floriano conta que a família vem tomando uma série de cuidados frente à pandemia. Mas a preocupação com a estiagem também está presente. Na horta, Eloá comenta que não sobrou nenhuma verdura. “As duas coisas estão nos preocupando muito. Mas vamos enfrentar muitas coisas ainda. Mas lidar com a saudade é bem difícil também.” Para amenizar essa angústia, a professora conta que a internet tem sido a aliada. É por telefone, segundo ela, que a conversa e a demonstração de carinho são colocadas em dia.
ENERGIA ELÉTRICA
A água na propriedade de Paulo Inácio Sulzbacher também é essencial para garantir a qualidade na produção de pepinos, afinal, são utilizados 10 mil litros de água, por dia, nas duas estufas. Apesar de ter vertentes de água na propriedade, a seca também reflete.
As árvores frutíferas estão sendo regadas todos os dias. “Uma seca que nem essa eu nunca tinha visto. A gente sabe de vários produtores que enfrentam problemas maiores ainda, pois falta água. O meu problema maior é a energia elétrica.”
O produtor, que está há 20 anos no ramo, se queixa pela qualidade da energia elétrica. “Eu preciso puxar a água e a rede monofásica não suporta, não tem força. Já fiz o pedido há anos, troquei toda a fiação, mas nunca fui contemplado”, desabafa.
Com isso, Sulzbacher não consegue ampliar a produção. Com espaço sobrando para mais três estufas, ele prefere não arriscar, pois sabe que com a energia ‘fraca’ vai acabar perdendo o produto.
Sobre o coronavírus, o produtor, de Linha Marechal Floriano, diz que acompanha os noticiários e percebe que a pandemia está se alastrando. “Aqui no interior acho difícil ela chegar. Mas olho as notícias, acho que vai ser bem sério a coisa daqui pra frente. A gente precisa se cuidar. Acho que assim a gente não pega as coisas ruins”, frisa.