Suspensão da classificação do tabaco nas propriedades gera entrave no setor

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Prevista para acontecer nesta sexta-feira, 1º, em Rio Pardo, a Abertura Oficial da Colheita do Tabaco no Rio Grande do Sul acabou cancelada. Considerado um momento importante para a cadeia produtiva e que integra o calendário de eventos do Estado, o cancelamento do evento passou pela ‘falta de clima’ no setor, após a suspensão da lei que determina a classificação da folha do tabaco nas propriedades dos agricultores.

Na prática, a implementação dessa lei, defendida pelas entidades representativas dos produtores, como a Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), não teve o mesmo entendimento por parte do Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (SindiTabaco), que alegou inconstitucionalidade, levando o assunto à Justiça. A liminar que suspendeu a lei foi expedida na última semana pelo desembargador Carlos Eduardo Richinitti, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Ele atendeu a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo SindiTabaco.

“Embora não seja uma decisão definitiva, é uma decepção. Atrapalhou toda a caminhada que, a partir do início da comercialização, estaria sendo implantada, com essa nova modalidade, atendendo a demanda dos produtores. Essa prática tem condições de ser feita, porque em safras quando há uma demanda maior do que a oferta, como já aconteceu no ano retrasado, a grande maioria das empresas fazia isso: garantia a posição na propriedade. Então é plenamente viável e estamos frustrados”, afirmou o presidente da Afubra, Marcílio Drescher.

Segundo ele, a suspensão da lei foi o principal motivo para cancelar o evento em Rio Pardo. “Foi o maior motivo, a gota d’água. O produtor vem bastante prejudicado pelas perdas com a chuva e granizo e já não há otimismo por causa disso. E com essa decisão, não poderíamos estar comemorando as coisas boas.” Ainda conforme Drescher, tanto Afubra como Fetag e Farsul, demais entidades representativas dos agricultores, vão buscar ajudar a reverter a decisão. “A suspensão é contra a Assembleia Legislativa, de onde partiu a lei. Mas o que pudermos ajudar, vamos fazer. Essa lei é uma conquista que pode dar mais segurança ao produtor na hora da venda. Ainda não sabemos quando será votado pelo colegiado, mas nossa esperança é que se reverta.”

Sobre o quanto a questão pode atrapalhar a relação entre Afubra e SindiTabaco, Marcílio Drescher diz que não se rompe o diálogo, mas, nesse momento, não adianta conversar. “O sindicato está no papel dele e não vamos desrespeitar, é um direito tentar isso. Mas a tentativa de reverter não será no diálogo, vai ser no judiciário. O clima não está propício, mas não rompemos o diálogo, até porque SindiTabaco, Afubra e entidades têm muito mais coisas além disso para dialogar.”

“Tinha que ser no galpão”

Assim como Afubra, os produtores de tabaco também não escondem a frustração com a decisão. “A classificação tinha que ser no galpão, porque na firma é complicado. Na firma colocam a classe que querem. Ou a gente aceita ou tem que trazer o fumo de volta”, relatou Paulo Frey, morador de Linha Cerro dos Bois. Segundo ele, o que pode ‘defender’ o produtor nessa safra é um bom preço. “O custo para produzir aumentou muito e tivemos muito prejuízo por causa do clima. Se a compra for boa, dá para se defender”, avalia o produtor.

Quem também entende que a classificação deve ocorrer nas propriedades é a família Zarth, de Centro Linha Brasil. “Seria mais fácil negociar e não precisaria levar até a empresa. Sem falar que às vezes precisa refazer os fardos, porque na firma vão abrindo e aí, se não dá negócio, tem que trazer para casa e fechar de novo. É mais trabalho”, destacou Lisane Zarth. Nesta safra, ela, o marido Aristides e os filhos Vitor e Vinicio plantaram 112 mil pés de tabaco. Segundo Vitor, também há a preocupação com a quebra da produtividade. “Em 2022, com 107 mil pés, fizemos quase 1,4 mil arrobas. Nesse ano deve dar no máximo mil”, revelou, se referindo às perdas devido ao excesso de chuva e queda de granizo.

Posicionamento do SindiTabaco

A reportagem procurou conversar com a diretoria do SindiTabaco, mas a entidade optou em se manifestar apenas por nota. Conforme documento enviado pela assessoria de imprensa da entidade, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por meio da Comarca de Porto Alegre, recebeu no dia 16 de novembro a Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo SindiTabaco e deferiu o pedido de medida cautelar nela formulado para suspender os efeitos da lei que dispõe sobre a classificação do tabaco nas propriedades, até o julgamento definitivo da matéria.

De acordo com o posicionamento do sindicato, a medida cautelar julga adequada a suspensão da eficácia da lei até que o tribunal se pronuncie definitivamente sobre o tema, visto ser “evidente e fundado risco de iminentes prejuízos ao setor fumageiro”, em caso de espera do julgamento pelo colegiado, uma vez que ainda não sobreveio a regulamentação da lei em seus aspectos técnicos e operacionais, o que dificultaria a organização prévia do setor industrial para o adequado cumprimento no processo de classificação da safra que já se aproxima.

Ainda conforme o SindiTabaco, a Ação Direta de Inconstitucionalidade esbarra em distintas inconstitucionalidades, gerando ainda problemas quanto à sua operacionalidade. “O SindiTabaco tem, desde o início da discussão, exposto a preocupação da indústria em torno dos efeitos práticos, seja pelas possíveis inconstitucionalidades que dela acarretariam, como a violação aos princípios da liberdade econômica, da proporcionalidade e da livre concorrência, bem como de possível usurpação de competência privativa da União, além de potencial intervenção indevida do Estado na autonomia organizacional, gerencial e operacional de agentes econômicos do setor.”

Por fim, a entidade disse que, após a promulgação, se reuniu diversas vezes com a representação dos produtores com o objetivo de encontrar uma solução para regulamentação da lei, mas sem sucesso. “Mantemo-nos abertos ao diálogo, pois entendemos a importância de todos os elos da cadeia produtiva atuarem de forma sinérgica, dentro dos limites da legislação.”

Deputado Zé Nunes: “Falta de consideração”

O projeto de lei tramitou por sete anos na Assembleia Legislativa e o autor da proposta é o deputado Zé Nunes (PT). “Lamentamos profundamente e é uma falta de consideração com os produtores. Como autor da proposta e presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Produtores da Cadeia Produtiva do Tabaco, lembramos que foi uma luta difícil, com vários debates, e que a proposta foi aprovada por 46 votos favoráveis em votação no plenário.”
Conforme o deputado, será contestada na justiça a constitucionalidade da lei aprovada na Assembleia. “Vamos entrar com uma ação para provar que há abuso de poder econômico no momento da classificação e aquisição do tabaco. Quem define o valor da produção de um ano inteiro de uma família é um assalariado das empresas, não um classificador neutro. Não vamos recuar diante desse ataque contra os fumicultores e fumicultoras.”

O que diz a lei

A lei nº 15.958, de 19 de janeiro de 2023, dispõe sobre a classificação do tabaco nas propriedades dos agricultores produtores no âmbito do estado. Ela diz que as empresas que comercializam e/ou industrializam tabaco em todo o território gaúcho ficam obrigadas a realizar a classificação da folha do tabaco nas propriedades dos agricultores que o produzem no ato da aquisição.

Diz ainda que, para dirimir divergências quanto à classificação do tabaco, poderá haver arbitragem de terceiros, indicados por consenso entre as partes. A classificação do tabaco é a análise técnica que organiza a produção em classes de acordo com a qualidade, realizada a partir de parâmetros estabelecidos por órgão competente com a finalidade de determinar o preço pago ao produtor.

Na época da promulgação da lei, foi destacado que o tabaco, como base da economia, está presente em aproximadamente 220 municípios, sendo cultivado em 130 mil hectares por 75 mil famílias e que gera aproximadamente R$ 1,2 bilhão de recursos no estado.

Compra do tabaco

Sobre o início da compra por parte das indústrias, a maior parte das consultadas pela Folha do Mate ainda não tem definição. Quem já iniciou a comercialização é a Marasca – 20 de novembro e deve encerrar em 15 de dezembro. Segundo o gerente de Produção Agrícola da Marasca, Roberto Machado, a decisão já é tradicional nos últimos anos, como uma forma de motivar o comércio e ajudar os produtores nos gastos, além de ser um incremento na renda no fim de ano.



Débora Kist

Débora Kist

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em 2013. Trabalhou como produtora executiva e jornalista na Rádio Terra FM entre 2008 e 2017. Jornalista no jornal Folha do Mate desde 2018 e atualmente também integra a equipe do programa jornalístico Terra em Uma Hora, veiculado de segunda a sexta, das 12h às 13h, na Terra FM.

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