Os recentes anos de estiagem impactaram severamente a produção de muitas culturas em Venâncio Aires, entre elas o arroz, que compõe ‘metade’ do prato básico dos brasileiros. Olhando para o cenário local, de 2021 ‘para trás’, a Capital do Chimarrão manteve uma média de 1,8 mil hectares, mas o número caiu nos últimos três anos, afetado, em parte, pela desistência de produtores preocupados com a seca.
Para 2024, a perspectiva é mais animadora, já que houve um aumento de área plantada em relação à safra passada, bem como projeção de uma colheita ‘mais pesada’. De acordo com dados da Emater, os 1.550 hectares plantados na safra 2023/24, com uma média esperada de 8,5 mil quilos por hectare, devem render 13 mil toneladas no município a partir de março, quando começa a colheita. Se isso se confirmar, haverá um crescimento aproximado de 3 mil toneladas em relação ao ano passado. Parte se explica porque foram plantados 150 hectares a mais, mas a média por hectare também aumentou, já que eram 7,6 mil quilos em 2023.
“Do que estou vendo na lavoura até agora, espero uma colheita cheia”, relata Fábio Antônio Kessler, 39 anos, produtor de arroz em Linha Arroio Grande e representante dos produtores no Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural (Comder). Fábio e o irmão Joel, 44 anos, são uma das 50 famílias de Venâncio que cultivam o grão.
Em Arroio Grande, onde os Kessler moram há quase 40 anos, plantaram 20 hectares nesta safra. Ainda têm 90 hectares na Várzea dos Camargo, em Passo do Sobrado, e outros 20 em Linha Nova, Santa Cruz do Sul, de onde a família é natural.
Essa média de 130 hectares os irmãos mantêm há cerca de 20 anos, embora a produtividade tenha oscilado nas últimas safras, especialmente as recentes, devido à estiagem, quando a quebra chegou a 30%. Um ano ‘cheio’ para eles, como é a expectativa para 2024, deve alcançar 20 mil sacos – mil toneladas. “Embora tenha atrasado bastante o plantio, por causa da chuva e enchente, a expectativa é boa”, comenta o agricultor. O atraso ao qual se refere é que, em pleno dezembro, ainda estavam semeando, quando o ideal é o plantio ter acontecido entre setembro e outubro.
A colheita está projetada para março. Quando finalizada essa etapa, o arroz dos Kessler é depositado num armazém (ainda com secador a lenha em Linha Arroio Grande) e em dois silos em Linha Nova, interior de Santa Cruz. A produção é vendida em casca para Santa Catarina.
R$ 13,6 milhões – foi a contribuição do arroz dentro do Valor Bruto da Produção Agrícola (VBPA) 2023 de Venâncio. Em 2022, foram R$ 12 milhões em vendas.
Estado
• De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Rio Grande do Sul deve produzir cerca de 7,66 milhões de toneladas de arroz, um aumento de 10,5% em relação ao ciclo passado (6,9 milhões de toneladas). A área total plantada é de 923 mil hectares, 7% a mais do que na safra anterior (862 mil hectares). O RS é responsável por 70% da produção nacional de arroz.
Avaliação
Segundo o chefe do escritório local da Emater, Vicente Fin, o crescimento da área em 2024 e a expectativa de uma produtividade maior estão atreladas à condição climática, já que nesta safra não tem ocorrido o problema de falta de água dos últimos quatro ciclos. “Tivemos El Niño com água à vontade, então muitos retomaram. Em anos anteriores reduziu a produtividade pela falta de água.”
Foi pela estiagem, aliás, que muitos produtores também decidiram ‘migrar’ para a soja, cultura que tem um custo menor e que registrou bons preços na hora da venda. “Muita gente plantou soja nos últimos anos, porque o custo dela é menor e se pagou bem. E a questão do arroz, ele tem um custo alto. A mão de obra, a manutenção de máquinas, a bomba para irrigação, além das licenças ambientais para plantar e puxar água. Tudo tem que estar em dia”, explica Aline, 34 anos, esposa de Fábio Kessler. Aline também vem de uma família produtora de arroz, os Moraes, de Linha Estrela.
Para Aline, hoje o produtor tem recebido um valor bom na hora da venda, girando em torno de R$ 120 e R$ 130 o saco, situação bem diferente de dois anos atrás. “Em 2022, para comprar um saco de ureia [fertilizante], a gente precisava de três sacos de arroz. Esse custo desestimulou muitos.” Sobre o valor ainda ser considerado alto nas prateleiras dos supermercados, ela entende que esse processo ainda pode demorar um pouco. “Viemos de ciclos com baixa produtividade, houve pouca oferta. Acho que para voltar ao normal, precisa de umas duas ou três colheitas cheias, sem perdas.”
A ‘maquineta’ dos Kessler e o futuro da família
Os Kessler cultivam arroz há mais de 40 anos, processo já iniciado por Alfonso, avô de Fábio e Joel, e Erni, pai deles, ainda no interior de Santa Cruz do Sul. Em meados da década de 1980, Erni mudou com a família para Linha Arroio Grande, onde continuou a produção. “Eram tempos de semear a braço, afundando as pernas no barro e de colher com foice. Se conseguia fazer de dois a três hectares por dia, apenas”, lembra Fábio.
Mas, no fim dos anos 1990, o pai, que sempre dizia que “a cabeça não serve apenas para usar chapéu”, pensou numa forma de facilitar a lida. “O pai e meu tio Mário, que plantava com ele, pensaram numa máquina para semear e adubar. Comprou peças em ferro velho, colocou roda de ferro e foi aperfeiçoando. É tipo um trator agrícola. Chamamos de ‘maquineta’ e ainda a usamos”, revela Fábio, falando sobre a invenção do pai, que faleceu em 2017.
A maquineta de Erni logo fez fama entre os produtores de arroz e muitos também começaram e projetar equipamentos parecidos. Conforme Fábio, atualmente, existe o autopropelido arrozeiro, ou o ‘chupa cabra’, como ficou conhecido esse tipo de trator. A família tem um desses na propriedade, além de duas colheitadeiras.
Assim como Fábio e Joel seguiram na cultura do pai e do avô, João Guilherme, 17 anos, filho de Joel, garante que tem o desejo de permanecer com o plantio de arroz. O jovem, aliás, vai para o último ano na Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul (Efasc). “Quem sabe o Lucas também vai ser o futuro, né?”, cogita Fábio, com o filho caçula no colo, de apenas seis meses.