Covid-19: tratamento precoce em debate entre a classe médica

-

Diante do agravamento da pandemia de Covid-19, com recorde de casos e avanço de internações hospitalares, o debate em torno do tratamento precoce para a doença voltou a ganhar atenção, especialmente entre a classe médica.
Ivermectina, azitromicina e hidroxicloroquina são exemplos de medicamentos que acabaram se tornando foco de debates entre profissionais da saúde e entidades médicas. Mesmo sem a comprovação de eficácia no tratamento de Covid-19, médicos vêm defendendo o uso destes medicamentos para evitar casos graves da doença.

Além de iniciativas nacionais, como o movimento ‘Médicos pela Vida’, que publicou um manifesto assinado por mais de 2 mil médicos brasileiros a favor do uso de medicamentos para o tratamento precoce da Covid-19, movimentos regionais também ganharam força nos últimos dias. Em Cachoeira do Sul, um grupo de 49 médicos divulgou uma nota pública favorável ao uso de medicamentos com ação antiviral, entre eles, a hidroxicloroquina, nos primeiros dias de sintomas da doença.

Em Lajeado, médicos pretendem apresentar um documento onde defendem o uso da ivermectina para inibir a propagação da Covid no organismo. Para isso, médicos querem divulgar os resultados de análises prévias para trabalhadores do comércio e da indústria e também apresentar ao Ministério Público a adoção da medida, para assim justificar a compra do medicamento e oferecê-lo na farmácia básica do município.

Protocolo orienta médicos de Venâncio

A fim de garantir uma orientação à classe médica de Venâncio Aires, em janeiro deste ano a Prefeitura de Venâncio Aires disponibilizou um protocolo de atendimento e tratamento aos profissionais que atuam tanto na rede pública, quanto privada.
Elaborado pela médica infectologista Sandra Knudsen, o fluxograma apresenta uma orientação aos médicos, conforme a gravidade do caso. O esquema traz orientações desde o momento do acolhimento, com instruções básicas de higiene pessoal, exames gerais, necessidade ou não de internação e, inclusive, uma lista de medicamentos básicos e que podem ser considerados, a depender da fase da doença. “É um documento orientador, que tenta dar um norte para os médicos. A Covid não é só remédio, é principalmente o manejo, o acompanhamento do paciente, pois não é igual para todo mundo”, disse a infectologista em entrevista à Terra FM.

Segundo a médica, embora cada profissional tenha autonomia para prescrever remédios e solicitar exames, ela acredita que a maioria dos colegas médicos segue essas orientações, pois todas as unidades com atendimento médico receberam o protocolo, como UPA, consultórios particulares e unidades básicas. Na sua opinião, o tratamento ideal é o acompanhamento diário de cada paciente, mas reconhece que diante da escalada de novos casos, essa tarefa vem se tornando cada vez mais difícil. “O que pra mim impacta mais, hoje, nessa evolução, não é o remédio, mas o acompanhamento do paciente. Um kit, como uma receita de bolo, não funciona”, opina.

Medicamentos

Na lista de medicamentos descritos no protocolo do município aparecem desde analgésicos e antitérmicos até antibióticos, corticóides e anticoagulantes. Mas cada um sempre com a ressalva do tipo de fase ou gravidade do paciente. A hidroxicloroquina também é citada no documento, mas com a observação de que o Ministério da Saúde deixa a prescrição a critério médico e uso somente com a autorização do paciente.
De acordo com a presidente da Associação Médica de Venâncio Aires (Amva), Natalia Artus, está sendo feito um amplo trabalho de divulgação e implantação deste protocolo nos centros de atendimento a pacientes respiratórios, UPA, hospital e Unidades Básicas. Ela acredita que o fluxograma está tendo uma boa adesão dos médicos, porém, assim como a médica Sandra Knudsen, afirma que “não é possível interferir na autonomia dos profissionais.”

Prefeito de Venâncio Aires e médico, Jarbas da Rosa disse que o Poder Público Municipal não pode obrigar os médicos a prescreverem determinados medicamentos, pois cada um tem autonomia para conduzir o tratamento com seus pacientes. Porém, cita que o protocolo disponibilizado pelo Município é um importante instrumento orientador para os profissionais, a fim de evitar que a doença evolua para casos mais graves, sobretudo na ‘fase 2’, que é a etapa inflamatória, com reações no organismo.

Para a Associação Médica de Venâncio, o mais importante é o manejo precoce dos pacientes

Natália é presidente da Associação Médica de Venâncio Aires (Foto: Divulgação)

Entre os integrantes da Associação Médica de Venâncio Aires (Amva), novos protocolos e tratamentos da doença estão sendo debatidos diariamente. Segundo a presidente da entidade, a cardiologista e médica intensivista Natalia Artus, nos últimos dias, tem se tornado um consenso iniciar tratamento para todos os pacientes com sintomas respiratórios. “Até porque, a maioria destes está fazendo exame e confirmando o diagnóstico”, observa. Entretanto, desde o início da pandemia, observa Natalia, os médicos que integram a associação entendem que o mais importante é o manejo precoce dos pacientes. “Este termo não se refere apenas ao uso de medicações, e sim acompanhar o paciente, monitorar a evolução dos sintomas de forma individualizada para cada paciente. Solicitar exames complementares quando indicado e, no momento certo, para cada fase da doença”, explica.

Empírico x precoce

Natalia chama atenção para a diferença do tratamento precoce e do tratamento empírico. Segundo ela, o que está sendo defendido por alguns grupos médicos é, na verdade, o tratamento empírico, ou seja, tratar uma doença antes dela se instalar, como uma forma de prevenção, mas que popularmente está sendo chamado de tratamento precoce.
Segundo a médica, um exemplo de tratamento empírico é prescrever um antibiótico para um paciente que vai fazer uma cirurgia para prevenir infecção, enquanto que tratar precocemente um paciente significa iniciar com medicamentos no momento de diagnóstico, seja ele clínico ou laboratorial. “Mesmo que o paciente tenha apenas sintomas leves, dessa forma, tentamos evitar que a doença evolua para sua forma grave”, observa.

Como médica plantonista da UTI, Natalia destaca que não há nenhum tratamento que previna a infecção pelo coronavírus, nem as suas complicações. “A maioria dos pacientes que evoluíram para a forma grave e necessitam de UTI, já estavam internados no hospital, recebendo o tratamento otimizado. E mesmo assim, isso não impediu o comprometimento de 50 e até 80% dos pulmões”, relata. Conforme ela, essa é a chamada evolução natural da doença, acompanhada por ela e outros profissionais, diariamente, no Hospital São Sebastião Mártir (HSSM).

“A melhor forma de se prevenir, enquanto não tivermos a vacina disponível para toda a população, é evitar o contato com pessoas infectadas, usar máscara e evitar aglomerações.”
NATALIA ARTUS – Presidente da Associação Médica de Venâncio Aires (Amva)

“O atendimento precoce inibe
complicações”, defende Fragomeni

Fragomeni: “A gente precisa se antecipar às complicações que o paciente possa vir a ter”, defende.

Em Venâncio Aires, alguns profissionais vêm defendendo tratamentos precoces com uso de medicamentos, a partir dos primeiros sintomas suspeitos de Covid. É o caso do médico otorrinolaringologista Renato Fragomeni.
De acordo com o profissional, o paciente precisa ser acompanhado desde o início, quando ocorre a manifestação dos primeiros sintomas. “Essa é uma doença que o paciente não pode aguardar ter a evolução de sintomas para então procurar assistência médica. O atendimento precoce inibe que o paciente venha a ter complicações”, garante.
Segundo o médico, dependendo do paciente, quanto maior a demora, pior vai ser o prognóstico, ou seja, o desenvolvimento da doença. “A gente precisa se antecipar às complicações que o paciente possa vir a ter”, defende.

Conforme o médico, dados indicam que o chamado ‘mal prognóstico’ da doença gira em torno de 5%. Entre os atendimentos realizados por ele neste um ano de pandemia, ele acredita que o grau seja menor do que esse índice e atribui esse resultado ao acompanhamento realizado desde o início e o tratamento precoce. “Dos meus pacientes assistidos desde o começo, eu tive duas evoluções para a UTI e poucas internações. Neste contexto, acho que foi muito satisfatório e importante ter tomado essa atitude de ter acolhido meus pacientes desde o primeiro momento, inclusive pelo fator psicológico, pois ele precisa saber que não está desassistido.”

Início da pandemia

Ele lembra que no início da pandemia, em março de 2020, a orientação que a população recebia era de buscar atendimento ao sentir falta de ar. “E se viu que isso era um absurdo”, relembra. Segundo ele, na época, não havia orientações aos médicos e o que se disseminava, de uma forma geral, eram os cuidados básicos, como o uso de álcool gel e manter o distanciamento. “Na questão terapêutica não foi proposto nada para a doença, naquela época”, observa.

Desde então, Fragomeni conta que começou a se inteirar do assunto, buscando atualizações e referência diariamente, sempre com a convicção de que “nenhuma certeza é absoluta”, mas que era necessário o acompanhamento do paciente desde o início.

“Sou totalmente favorável à vacinação. Só vamos reduzir o fluxo intenso da doença na medida que tivermos a vacinação em massa e imunidade de rebanho. Mas o coronavírus nunca mais vai deixar de sair de nossas vidas.” RENATO FRAGOMENI – Médico

Empresário relata bons resultados
entre funcionários de indústria

Proprietário de uma das maiores empresas de Venâncio Aires, Marcelo Campos relata resultados positivos com o tratamento precoce entre os funcionários da Metalúrgica Venâncio. Segundo o empresário, uma série de ações da metalúrgica, o que inclui afastamento a partir dos primeiros sintomas, testagem paga pela empresa, atendimento médico com prescrição de tratamento precoce e acompanhamento diário do estado de saúde dos funcionários estão contribuindo para uma redução significativa de infectados. “A partir dos primeiros sintomas, afastamos o funcionário e pagamos o teste para que o resultado possa sair o mais rápido possível, em no máximo dois dias. A partir da confirmação da doença, o tratamento precoce inicia o mais rápido possível e está dando resultado”, garante, ao citar o que a empresa vem registrando baixos índices de pessoas afastadas em virtude da doença e sem internações hospitalares. “A gente tem notado que a recuperação está sendo mais rápida, sem casos graves da doença”, avalia.

Na sexta-feira, 26 de fevereiro, dos 1 mil funcionários, havia 12 casos confirmados e 18 pessoas afastadas. Nas segundas-feiras, conforme Campos, são os dias com maior registros de afastamento, o que vai ao encontro da demanda das unidades básicas do município.

Nas farmácias, muita procura pela ivermectina

Não há evidências científicas de que a ivermectina ajuda no tratamento ou na prevenção da Covid-19, mas a procura pelo medicamento, que pode ser adquirido sem prescrição médica, cresceu substancialmente nos últimos meses em Venâncio Aires. Com o aumento de casos, nas últimas semanas, a compra disparou. De acordo com o farmacêutico Marcelo Kirst, responsável por uma farmácia localizada na região central de Venâncio Aires, há muita procura nos últimos dias e identifica-se que a maioria dos clientes faz a compra por conta, ou seja, sem prescrição médica. Conforme levantamento da reportagem da Folha do Mate, uma caixa com quatro comprimidos do remédio, conhecido no tratamento de vermes ou parasitas, custa em média R$ 25.

Segundo ele, além do vermífugo, também aumentou a procura de outros remédios do conhecido ‘kit Covid’. “Neste tratamento entra inclusive a cloroquina, receitada para a fase ativa do vírus”, explica Kirst. Estes medicamentos são vendidos apenas com receita médica e, segundo o farmacêutico, nota-se que estes estão sendo receitados, na maioria das vezes, pelos mesmos profissionais, tanto para o tratamento inicial, a partir dos sintomas e confirmação da doença, quanto para a fase pós-Covid.

“O que salva é médico bom e oxigênio”

Por Juliana Bencke

O diretor técnico do Hospital São Sebastião Mártir, Guilherme Fürst Neto, diz que, pelo que tem se observado, o uso das medicações de forma precoce não garante que o paciente não tenha que internar. “O hospital está cheio de pacientes que usam ou usaram essas medicações. Todos os que estão lá tomaram, pelo menos, ivermectina”, observa.
O médico reforça que, como diretor técnico, não emite opinião sobre o uso dos medicamentos, apenas se atém a atender todos os pacientes, independentemente de terem recebido a medicação ou não. “Qualquer coisa que se use e possa ajudar é bem-vinda, mas não temos como afirmar isso. O que salva esses pacientes que estão no hospital é recurso: médico bom e oxigênio”, enfatiza.



Letícia Wacholz

Letícia Wacholz

Atua há 15 anos na Folha do Mate e desde 2015 é editora da Folha do Mate. Coordena a produção jornalística multiplataforma do grupo de comunicação. Assina a coluna Mateando, a página 2 do jornal impresso.

Clique Aqui para ver o autor

    

Destaques

Últimas

Exclusivo Assinantes

Template being used: /var/www/html/wp-content/plugins/td-cloud-library/wp_templates/tdb_view_single.php
error: Conteúdo protegido