“Estamos em um processo de evolução”, diz presidente do HSSM ao completar um ano no cargo

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No dia 29 de maio de 2019, o advogado Luciano Spies, de 42 anos, assumia a presidência do Hospital São Sebastião Mártir (HSSM). Na época, já sabia que a missão era de extrema dificuldade, mas não imaginava que, em meio à sua gestão, teria que liderar a casa de saúde no enfrentamento à pandemia de coronavírus. Nesta sexta-feira, 29, completou um ano à frente da instituição e, em entrevista concedida com exclusividade à Folha do Mate, recordou as conquistas e os dramas deste período.

Folha do Mate – Um ano após assumir a presidência do hospital, que análise pode fazer?

Luciano Spies – Quando assumi, em maio do ano passado, sabia que a função seria desafiadora e que exigiria muita dedicação, pois já estava na linha de frente das decisões como vice-presidente, principalmente no último ano da gestão 2017-2019. Todavia, enfrentamos um agravamento da situação econômica, principalmente em virtude do atingimento dos nossos limites de crédito, que estagnaram nossa capacidade de endividamento junto às instituições financeiras. A situação, que já não era fácil, se tornou ainda mais difícil, com o acúmulo de atrasos salariais e de honorários médicos ao longo do segundo semestre de 2019, provavelmente, a situação mais desafiadora até o momento.

É advogado de formação. Normalmente são médicos que presidem instituições de saúde. No que a advocacia é importante para a função e o que o fato de não ser profissional da saúde traz de prejuízo?

Faço parte da assessoria jurídica do hospital desde 2003, ou seja, quando assumi a presidência, já tinha mais de 15 anos de vivência constante com o hospital e seus problemas, sem contar o exercício do cargo de vice-presidente nas duas últimas gestões do Dr. Oly Schwingel. Estamos sempre aprendendo e eu aprendo todo o dia dentro do hospital, mas entendi que tinha experiência suficiente para exercer a função e agregar. Nos últimos anos, nosso hospital foi presidido por médicos, mas nem sempre foi assim. Meu tio Júlio Spies, que também é advogado, fez uma grande gestão, e meu outro tio, Walter Kuhn, que é administrador, também. São alguns exemplos nos quais me espelhei e que provam que não há prejuízos por não ser o presidente um médico.

Neste primeiro ano, quais foram os melhores e piores momentos em relação à gestão do hospital?

Creio que o pior momento ocorreu no fim de 2019, quando tivemos que desligar mais de 30 pessoas, a fim de reduzir o valor da folha. Dentre essas pessoas, desligamos nosso administrador e nosso diretor financeiro, pessoas muito próximas do convívio diário, tudo em meio a negociações com sindicatos de funcionários e médicos, todos buscando seus direitos. Ao mesmo tempo, os trabalhos da comissão de recuperação eram intensos e a pressão daquele período foi muito grande. Por incrível que possa parecer, ao final desse primeiro ano, mesmo em meio a uma pandemia, mas graças ao resultado do trabalho da comissão, em parceria com a direção e apoio de toda a comunidade, estamos vivendo o melhor período da gestão, até agora. Hoje, estamos com salários sendo pagos em dia, nenhum fornecedor ou parcela de dívida bancária em atraso, e com apenas um mês atrasado de honorários e serviços médicos, os quais deverão ser quitados com a liberação das emendas parlamentares que estão por chegar.

O mandato é de dois anos. O que espera para estes 365 dias que restam à frente do HSSM?

Estamos em um processo de evolução. Precisamos continuar os ajustes na busca do equilíbrio financeiro e o aprimoramento de nossas rotinas, sempre mantendo o foco na qualidade da prestação dos serviços de saúde. Muito ainda há para fazermos, mas estamos no caminho e a tendência é de que, passado esse período de pandemia, tenhamos dias mais tranquilos para nossa instituição.

Você acredita que o hospital pode encontrar o equilíbrio financeiro a curto prazo? As ações tomadas têm se mostrado eficientes, mas será possível algum dia lermos uma manchete que traga a informação de que o hospital se tornou autossustentável?

A dívida das instituições de saúde filantrópicas e a defasagem do SUS são históricas e não tendem a ser resolvidas a curto prazo. Nosso primeiro objetivo era o de não aumentar a dívida e estamos bastante próximos de atingir a meta. Embora nosso prejuízo mensal ainda seja expressivo, temos que lembrar que todo mês parte da dívida também é amortizada e que temos bons recursos advindos de emendas parlamentares para ingressar, o que auxiliará nesse equilíbrio. Quanto a ser autossustentável, essa é uma meta audaciosa, mas que deve ser perseguida. Todavia, seu sucesso está atrelado às políticas públicas de financiamento do SUS.

O momento é de pandemia e dedicação prioritária a isso. Mas o hospital tem planos para depois do coronavirus? Quais são? O que pode revelar?

Mesmo em meio à pandemia, precisamos dar andamento à segunda fase do plano de recuperação. Essa fase, além de continuar com a busca de receitas, tem um trabalho minucioso a ser feito com relação aos custos. Estamos fechando a contratação de uma empresa de consultoria que irá iniciar um trabalho em junho. O objetivo é identificar onde ainda há gargalos dentro do hospital e como podem ser sanados. Possivelmente haverá novas alterações de protocolos e de rotinas, mas isso será crucial para buscarmos novas formas de reduzir custos e até mesmo aumentar receita.

A parceria da Prefeitura continuará sendo decisiva para que o hospital consiga se manter ‘fora da UTI’ e longe do risco de fechamento, como já foi especulado?

Particularmente, avalio a criação e os trabalhos da comissão de recuperação financeira do hospital como o divisor de águas dessa gestão. Sem a participação e apoio do poder público, não sei como teríamos encerrado o ano de 2019. Imaginem termos que enfrentar uma pandemia em meio ao caos financeiro. Não há dúvidas de que o trabalho em parceria tem que continuar. Todos dentro da comissão têm funções definidas e de extrema relevância e todos se dedicam o máximo possível, além de todas as outras funções que temos. Só tenho a agradecer a todos os integrantes.

Pode atualizar números da casa de saúde? Déficit, número de funcionários, valor da folha de pagamento e financiamentos, por exemplo.

No tocante às conquistas, conseguimos reduzir o déficit mensal – que era de R$ 900 mil e agora está em R$ 600 mil – renegociando todas as nossas dívidas com bancos. Reduzimos nossa despesa com pessoal, a partir das mais de 30 demissões, e reestruturamos alguns setores do hospital, melhorando fluxos e otimizando recursos. Paralelamente, acordamos com a Prefeitura o reajuste do contrato referente ao SUS e buscamos, junto com o prefeito Giovane Wickert e com o secretário de Saúde, Ramon Schwengber, com o apoio de todas as lideranças políticas de Venâncio Aires, um valor recorde em emendas parlamentares, a maior parte em vias de liberação. Foram quase R$ 3,5 milhões em emendas, com R$ 2,6 milhões destinados ao hospital e R$ 900 para a Secretaria de Saúde. Também adotamos outras medidas de economia, como a redução do segundo plantonista do Pronto Atendimento (economia de R$ 42 mil por mês), transformando-o, efetivamente, em atendimento de urgência e emergência. Além disso, lançamos campanhas de auxílio ao hospital junto à comunidade. Atualmente, a folha é de R$ 795,5 mil e temos 438 colaboradores. O hospital também faz a gestão da UPA, que tem 38 profissionais e folha de pagamento de R$ 142,5 mil.

O quanto o ano de 2020 poderia ser melhor para a recuperação financeira do hospital se não fôssemos surpreendidos pela pandemia de coronavírus?

Embora a pandemia tenha possibilitado maior agilidade na liberação de recursos, principalmente de emendas parlamentares, estamos sendo muito afetados com a queda no faturamento dos atendimentos de convênios e particulares, que sempre foi uma importante receita do hospital. Seguramente os resultados dos últimos dois meses não foram melhores em virtude do baixo faturamento de serviços prestados a pacientes conveniados a planos de saúde. Nossa torcida é para que esta pandemia passe e que tudo volte à normalidade, com o menor número de vítimas possível.

O quanto a comunidade de Venâncio Aires é importante neste processo de recuperação? Entre tantas outras coisas, tivemos, por exemplo, a conscientização da população e transferência de demanda para UPA e rede básica de saúde, atendendo ao protocolo de apenas urgências e emergências no HSSM.

Toda a comunidade está sendo parceira no processo de recuperação, e esta participação se dá de muitas formas: doações de valores, de alimentos, de máscaras, de produtos de limpeza e na capacidade de absorver e entender mudanças importantes, como a migração de atendimentos não urgentes ou emergenciais para a UPA e postos de saúde. Pela primeira vez em 20 anos de Venâncio Aires, pude testemunhar a união da classe política, empenhada na busca de recursos junto aos deputados, fator que permitiu o sucesso de nossa romaria em Brasília, pois já estavam nos esperando. O resultado dessa união está e continuará sendo colhido por toda a sociedade.

O momento do hospital é totalmente diferente do que em anos anteriores, neste mesmo período, com 70% da ocupação ociosa. A que se deve isso? A direção já buscou explicações?

Verdade. Estamos com 30% da ocupação dos nossos 134 leitos. Isso nem parece ter algum tipo de lógica, mas é a situação que temos. Ainda estamos buscando justificativas para isso, pois no ano passado, estávamos com mais de 90% da nossa capacidade ocupada. Tivemos até, em alguns momentos, fazer uma força-tarefa com os médicos, para que eles avaliassem quais os pacientes poderiam ter alta, sem prejuízo aos seus tratamentos. Tínhamos um número grande de pessoas no Pronto Atendimento, na ala de observação, por exemplo. A paralisação das cirurgias eletivas e o isolamento social em razão da Covid-19 são duas justificativas que acreditamos estarem entre as principais. Temos poucas crianças nas ruas, estão em casa, não temos aula. Todos estão menos suscetíveis às doenças virais, o que reduz a procura pelo hospital.



Carlos Dickow

Carlos Dickow

Jornalista, atua na redação integrada da Folha do Mate e Terra FM.

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