Há mais de 50 anos, dentista em Venâncio Aires

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Era sobre a mureta na lateral da igreja São Sebastião Mártir que Guido subia para tentar enxergar ao longe. No início da década de 1960, os olhos do então estudante de Odontologia buscavam, na descida de uma Osvaldo Aranha com poucos prédios e quase nenhum carro, a caminhoneta do pai.

Se o veículo não estivesse nas proximidades da loja de Martim Geller, ele sabia: precisava de carona ou o jeito era ir à pé até Vila Santa Emília, onde morava a família. Assim aconteceu algumas vezes, quando tinha pressa para não perder o futebol dos sábados.

Isso foi há mais de 50 anos, quando Guido Reckziegel começou os estudos para ser cirurgião-dentista e ainda era escalado para a meia-esquerda do São Luiz. Hoje, aos quase 80, ele decidiu que vai parar de trabalhar e contou à Folha do Mate algumas das histórias que marcaram mais de cinco décadas como profissional em Venâncio Aires.

Os primeiros anos

A decisão por Odontologia (a outra opção era Medicina) aconteceu na época do 2º Grau no Colégio Mauá, em Santa Cruz do Sul, quando Guido já desfilava seu talento futebolístico no campo do São Luiz, em Santa Emília. O gosto pelo futebol se manteve na época da faculdade, onde também integrou o time da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

E para não perder os jogos na terra natal aos sábados, era necessário correr. Se não conseguia carona ou estava cansado para caminhar (acreditem!), havia ainda outra alternativa: pegar o ônibus “dos Büchner” (Viasul) até Arroio Bonito – hoje Mato Leitão – e seguir à pé, cruzando lavouras.

Guido se formou como cirurgião-dentista no fim de 1966 (Foto: Arquivo pessoal)

“Atravessei muita roça para chegar em casa”, lembra o dentista. Foram muitos anos de idas e vindas aos fins de semana, não só para Guido, mas também para a então namorada, Edith Becker, que se tornou enfermeira. Em 1963, ambos seguiram juntos a Porto Alegre para os estudos na UFRGS. O casamento aconteceu em 1967, quando, já formado, Guido Reckziegel começou a trabalhar como cirurgião-dentista em Venâncio Aires. “Na época éramos em três ou quatro. Hoje tem mais de 100”, contabiliza.

O primeiro consultório funcionou na esquina das ruas Tiradentes com a Reynaldo Schmaedecke (atual Xerox Center). Aquela casa, com uma porta em diagonal, foi a primeira sede dos Correios e, no fim dos anos 60 e início dos 70, Reckziegel alugou para receber os primeiros pacientes.

O atendimento era estendido nos fins de semana em Santa Emília, onde o pai, Affonso, tinha uma casa comercial. Clientes daquela localidade e arredores iam até o estabelecimento buscar produtos e aproveitavam os serviços do dentista.

Foto: Arquivo pessoal

Dente de festeiro

Dos casos inusitados que chegaram às suas mãos, Guido Reckziegel lembra de uma ‘urgência’ às vésperas de uma Festa de São Sebastião Mártir, décadas atrás. Ele foi chamado fora de hora por um dos festeiros, que quebrou um dente da frente. O ‘pivô’ feito no capricho e às pressas ganhou até o apelido de ‘dente de festeiro.’

Parceria com Gleno Scherer

Depois dos primeiros anos atendendo na Tiradentes, Guido Reckziegel fez uma ‘sociedade’ com o também cirurgião-dentista e ex-deputado, Gleno Scherer. Ambos construíram a galeria Santa Apolônia, na rua Osvaldo Aranha, próximo ao Banco do Brasil.

O prédio, erguido na década de 1970, recebeu esse nome para homenagear a padroeira dos dentistas e suas salas comerciais foram alugadas por outros profissionais de odontologia. “Depois que o Gleno concorreu e foi embora, também vendi a maioria das salas”, relembra. Isso foi em meados da década de 1980 e, desde então, Reckziegel passou a atender na rua Júlio de Castilhos, onde mora.

Dentista do dentista

A carreira política de Gleno Scherer não interferiu na parceria com Reckziegel, até porque o ex-deputado foi, durante décadas, o ‘dentista do dentista’. Além dele, quem também cuida dos dentes de Guido é José Pedro Eidt.

Comparações

“Antigamente as pessoas iam pela dor, hoje elas vão pela prevenção e estética”, destaca o profissional, ao fazer uma comparação com os primeiros tempos na Odontologia.

Conforme Guido, os instrumentos utilizados são praticamente os mesmos de quando ele começou a atender, mas que tiveram, obviamente, todo aperfeiçoamento tecnológico.

Quando fez a faculdade, entre 1963 e 1966, ele conta que o foco eram as restaurações, limpezas e próteses. “Sobre implantes, estudei depois, assim como os aparelhos.” Também naquela época, o uso de luvas e máscaras não era comum.

Família

Guido Reckziegel é casado há 53 anos com a enfermeira Edith, 75 anos. A área da saúde, aliás, também virou o interesse dos dois filhos. Marcelo é médico em Lajeado e Ana Paula é dentista em Porto Alegre.

Das motivações e da parada definitiva

“É uma profissão para se dedicar e nenhum dentista trabalhou tantos anos em Venâncio como eu”, concluiu Guido Reckziegel, ao lembrar das mais de cinco décadas como profissional.

Hoje, a poucas semanas de completar 80 anos, ele decidiu parar de vez, o que deve acontecer até dezembro. “Tem muita gente se lamentando que vou parar e foi esse apoio dos clientes que sempre me motivou a trabalhar durante tantos anos. Mas a idade chegou e quero passear mais e cuidar dos meus pés de frutas”, revelou, fazendo referência à chácara que mantém em Linha Arroio Grande.

‘Medos’

Saudoso, mas em tom de brincadeira, Guido Reckziegel diz que tem dois medos: um é ser chamado para completar o time do São Luiz que joga no ‘andar de cima’. “Eu tinha 15 anos e a maioria 20. Esses caras já subiram e vai que precisam de mim para o time?”

O segundo receio dele é outra convocação, mas aí como profissional. “E se um dos meus conhecidos tiver dor de dente? Deus vai perguntar: quem é teu dentista? O Guido? Ah, então vou chamar”, conta, entre risos.

Guido (agachado, com a bola), também integrou o time do curso de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Foto: Arquivo pessoal)


Débora Kist

Débora Kist

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em 2013. Trabalhou como produtora executiva e jornalista na Rádio Terra FM entre 2008 e 2017. Jornalista no jornal Folha do Mate desde 2018 e atualmente também integra a equipe do programa jornalístico Terra em Uma Hora, veiculado de segunda a sexta, das 12h às 13h, na Terra FM.

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