Não é de agora que se fala em dificuldade financeira no Hospital São Sebastião Mártir (HSSM). Com uma dívida histórica e que alcança cerca de R$ 17 milhões, a instituição ‘rema’ há muito tempo, nem sempre no ritmo ideal, mas vislumbra um fôlego maior em 2023.
Para o ano que vem, a expectativa é tentar evitar o que aconteceu em 2022, cujo déficit deve fechar em R$ 10 milhões só neste ano. Atualmente, as despesas mensais mais os juros bancários somam cerca de R$ 5 milhões, enquanto as receitas giram em torno de R$ 4 milhões.
Entre as alternativas possíveis aos olhos da direção, estão o ingresso de emendas parlamentares e um reequilíbrio contratual com a Prefeitura de Venâncio Aires. No caso das emendas, o pedido chegou a R$ 8,6 milhões, feito de porta em porta nos gabinetes dos 31 deputados federais do Rio Grande do Sul. Essa verdadeira ‘romaria’ ocorreu na última semana, quando representantes do hospital, do Executivo e Legislativo estiveram em Brasília. “Vamos manter isso no cronograma anual do hospital. Temos que ir a Brasília todo ano, porque assim aumentamos a chance de conseguir recursos livres para custeio”, destacou o administrador, Luís Fernando Siqueira.
O pedido está feito, mas as emendas ainda dependem de confirmação dos deputados. Por isso, uma comitiva local deve voltar a Brasília em fevereiro, mês em que os parlamentares ratificam a destinação específica dos valores.
Estratégia
Os detalhes da ida a Brasília pautaram uma coletiva de imprensa na quinta-feira, 17. Foram detalhados os valores pedidos a cada deputado, bem como a necessidade de fazer das visitas a capital federal algo corriqueiro. “Em julho, o prefeito [Jarbas da Rosa] também foi e entrou em todos os gabinetes. Como é um ambiente político, a recepção é diferente quando se tem o prefeito junto. Da mesma forma, agora com a participação do secretário [Tiago Quintana] e de alguns vereadores, a aproximação deles com as bases partidárias foi fundamental. O ambiente para a conversa é muito mais favorável”, comentou o presidente, Juliano Angnes.
Um objetivo da direção é garantir que as emendas sejam para custeio (em que o hospital tem liberdade de aplicar como considerar melhor) e que o dinheiro já venha no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) do HSSM. Nesse sentido, vale destacar que todo recurso entra, inicialmente, na Prefeitura (que é com quem o hospital tem contrato) e a Administração, por sua vez, faz o repasse posterior.
“Só que isso é dinheiro público para uma instituição privada, então toda vez a Prefeitura deve justificar um ‘objeto’ para fazer o repasse. Por isso, nesses casos, precisa aprovação da Câmara de Vereadores”, explicou Luís Fernando Siqueira. Na quarta, 16, por exemplo, o Legislativo aprovou repasse de R$ 1,6 milhão do Executivo ao hospital para recuperação financeira.
Visibilidade para os deputados
Como forma de agradecimento aos deputados que destinarem recursos ao HSSM em 2023, a direção fará um mural na frente do hospital. No ‘Painel da Gratidão’, haverá espaço para 31 ‘peças de quebra-cabeça’ (equivalente ao total de parlamentares federais eleitos pelo estado), para foto, nome e valor destinado de cada um que indicar o repasse.
Além disso, será dado o máximo de visibilidade no site do HSSM. Através do ‘Emendômetro’, será informado quanto do orçamento em relação ao pedido de emendas está sendo atendido, também com nomes e valores.
De acordo com a direção do HSSM, para 2023, a expectativa é de que cada deputado federal tenha à disposição R$ 19 milhões, sendo que metade precisa ir para a Saúde. “São R$ 290 milhões por ano só para a Saúde no estado. Esse valor, para o Congresso, não tem critério determinado. Por isso temos que gastar o que chamam de ‘3Ss’: sola do sapato, suor e saliva”, ressaltou Siqueira.
Vale lembrar que, em 2019, as emendas contribuíram para um 2020 mais equilibrado – foram quase R$ 3,5 milhões, também buscados nos gabinetes de Brasília. Como na época havia um plano de recuperação em ação, o valor entrou de forma específica para o pagamento de contas.
Valores pedidos
• Os R$ 8,6 milhões pedidos aos 31 deputados federais foram organizados da seguinte forma: o HSSM fez uma planilha com o total de votos de cada um em Venâncio, Vale Verde, Passo do Sobrado e Mato Leitão.
• Quanto maior o percentual de votação, maior a pedida. Por exemplo: para Heitor Schuch (PSB) e Marcelo Moraes (PL), líderes de votos em Venâncio, a solicitação é de R$ 1 milhão para cada.
• Já os demais valores variam entre R$ 500 mil, R$ 250 mil e R$ 100 mil, mesmo que alguns parlamentares nem receberam votos em Venâncio no último pleito.
• O hospital conta, ainda, com contatos de senadores e deputados estaduais, além de emendas impositivas ou sobras orçamentárias da Câmara de Vereadores.
R$ 900 mil – é o déficit mensal aproximado do hospital.
Despesas e juros somam R$ 5 milhões por mês
A busca é pelo equilíbrio financeiro, mas essa estabilidade pouco aconteceu nos últimos anos e, só para 2022, são R$ 10 milhões de déficit projetados. Considerando tudo o que o hospital deve e que está negociado, a dívida chega a R$ 17 milhões. “Nossas despesas aumentaram muito, seja em material, medicamento e folha salarial. Ao mesmo tempo, as receitas não acompanham e todos sabem que o hospital é deficitário há bastante tempo”, lamentou o presidente, Juliano Angnes.
Segundo o administrador, Luís Fernando Siqueira, atualmente, as despesas mensais somam cerca de R$ 4,5 milhões, além de R$ 500 mil de juros bancários. São R$ 3 milhões só com a folha de pagamento (R$ 1,4 milhão para funcionários – 530, somando hospital e UPA) e R$ 1,6 milhão de serviços médicos. Por outro lado, as receitas giram em torno de R$ 4 milhões.
Outro fator mencionado pela direção, é a elevação de medicamentos e materiais. “Um sedativo que custava R$ 15 em 2019, foi para R$ 100 na pandemia e agora está em R$ 30. Em três anos, as receitas não dobraram como algumas despesas”, exemplificou Siqueira.
Do total da dívida de R$ 17 milhões, os empréstimos bancários são responsáveis por cerca de R$ 15 milhões. Ainda assim, eles têm sido importantes para pagar contas ou ‘apagar incêndios’ a curto prazo. Por isso, está em tratativas um novo empréstimo ainda em 2022 – R$ 5 milhões junto ao Banrisul para quitar valores de serviços. Em junho, já tinham sido financiados R$ 3,5 milhões na Caixa Econômica Federal.
Novos serviços
• Futuramente, a expectativa está sobre serviços novos ou ampliações. É o caso da reformulação do Centro de Diagnóstico por Imagem (CDI), que passará a contar com ressonância magnética. A parceria com a empresa responsável estipula que o hospital terá um percentual sobre o faturamento dos exames o que, inicialmente, será usado como reembolso para a empresa, que faz as melhorias físicas. A estimativa é que em três ou quatro anos esse percentual vire receita para o HSSM.
• Além disso, está em obras a ampliação do espaço da hemodiálise, que vai triplicar a área atual. Com isso, também aumentará o número de equipamentos, passando de 16 para 25 máquinas. Embora seja a Cuidare a responsável pelos custos, a ampliação da hemodiálise ficará como patrimônio para o hospital, que ‘devolverá’ parte do valor descontando do aluguel.
• Já a UTI Pediátrica representará melhora na qualidade dos serviços médicos e de estrutura física, mas na prática não entrará dinheiro para o caixa do hospital. Isso porque o recurso que vier será para manutenção dos 10 leitos, o que caberá ao Estado e à União. Por isso, a direção do HSSM se diz cautelosa e espera totais garantias para, só então, ver em funcionamento. Tanto a UTI Pediátrica, como a ressonância e a hemodiálise, já devem implementar os atendimentos em 2023.
“Prefeitura é aliada, mas não a salvação”, diz secretário de Saúde
Embora aposte num incremento de receitas através de novos serviços, hoje, a maior parte dos valores recebidos vem através do contrato com a Prefeitura de Venâncio Aires. São R$ 2,022 milhões recebidos por mês (R$ 24,273 milhões para todo 2022), onde estão incluídos os valores da União, do Estado, da Administração Municipal e dos Executivos dos municípios atendidos na microrregião (Vale Verde, Mato Leitão e Passo do Sobrado).
Para 2023, o que já foi dito publicamente em outros momentos, é que o HSSM espera para um aumento no valor do contrato além do reajuste inflacionário. “Sabemos das dificuldades e de que a Prefeitura é muito parceira e sempre está ajudando. Mas esperamos um reequilíbrio no contrato”, disse o administrador, Luís Fernando Siqueira.
As negociações já estão em andamento e, sobre isso, o secretário de Saúde de Venâncio, Tiago Quintana, informou que não há nada definido. “Estamos avaliando todos os aspectos e vamos construir o caminho que estiver ao nosso alcance. Ano passado foi dado 10%, mas como Estado e União não reajustaram, a Prefeitura cobriu e esse valor chegou 16% para nós.”
Quintana ressaltou, ainda, que o Município continuará fazendo sua parte. “O que posso adiantar é que a Prefeitura é uma grande aliada, como está sendo, antecipando repasse, comprando serviços e fazendo repasse extra. Mas não é a salvação do hospital. O hospital precisa fazer a parte dele e o Estado e União a deles. Não tem como a tabela SUS continuar defasada assim.”
Sobre a formatação do contrato, renovado anualmente, a correção inflacionária não estava prevista nos acordos anteriores, mas é ela que tem balizado o incremento oferecido pela Prefeitura, o que se repetiu para 2022. O convênio fala em ‘reequilíbrio’, mas, para isso, chegar a um percentual maior dependerá de um levantamento (estudo feito pela Fundatec) que vai apontar qual o real gasto do hospital com serviços do Sistema Único de Saúde.
No documento deixado em cada gabinete de deputado, o HSSM argumentou que os atendimentos SUS ultrapassaram a barreira de 80% em 2022.