Seria irônico, se não fosse trágico, ver Manaus, no meio do lugar que por muito foi considerado o ‘pulmão do mundo’ (Amazônia), sofrendo há semanas com a falta de oxigênio para tratar pacientes Covid. Claro que a comparação é mera curiosidade, porque a crise de saúde por lá expôs uma parte do que são as dificuldades no enfrentamento à pandemia pelo Brasil.
A falta de equipamentos para oxigenação na capital do Amazonas deixou muita gente de ‘orelha em pé’, inclusive em Venâncio Aires. Mas, por aqui, mesmo com um aumento de quase 40% no consumo, o desabastecimento nunca foi realidade no Hospital São Sebastião Mártir (HSSM). Ou seja, quem precisou de fôlego extra para os pulmões, teve o ar garantido.
“Não houve falta durante a pandemia, até porque se tem o cuidado de nunca deixar baixar o estoque. Geralmente, quando chega na metade, já vem a reposição”, explicou o farmacêutico técnico responsável e o coordenador de Suprimentos do HSSM, Cássio Severo.
Como a dificuldade respiratória é uma das principais características em casos mais graves de pacientes que contraem o coronavírus, o hospital precisou comprar mais oxigênio. Antes da pandemia, a média mensal era de 5,62 mil metros cúbicos. Depois dela, subiu para 7,86 mil metros cúbicos – aumento de 39%.
Mesmo com a demanda elevada, não há maior preocupação sobre uma possível falta. “Temos o abastecimento previsto em contrato. A única sinalização da empresa, até agora, foi sobre eventual troca de horário para entrega, o que pode acontecer até de noite. Mas isso é apenas uma questão de logística”, destacou Cássio Severo.
Insumos
Atualmente, o consumo de oxigênio é o sexto na lista de insumos com maiores gastos no HSSM. Dos cinco primeiros, quatro têm relação direta com o tratamento Covid – três medicamentos e as luvas de procedimento. O Equipamento de Proteção Individual (EPI), que antes da pandemia custava cerca de R$ 6 a caixa com 100 luvas, agora custa R$ 80. Só em dezembro de 2020, foram utilizadas 550 caixas no hospital.
8,372 mil m³ – foi o pico mensal de aquisição de oxigênio em 2020, registrado em setembro.
Caminhos
- Desde 2011, o HSSM mantém um contrato com a Air Liquide, de Canoas. Segundo Cássio Severo, na época, houve renegociação de valores e, com a implementação da UTI, baixou ainda mais, sendo um dos menores custos da região. Os valores não foram revelados.
- Antes da pandemia, a empresa trazia oxigênio a cada 15 dias. Em 2020, passou a ser semanal e, muitas vezes, duas vezes por semana para abastecer o tanque de 3,3 mil litros.
- O tanque fica nos fundos do hospital e dele sai o oxigênio líquido refrigerado que percorre uma rede subterrânea até os quartos. Curiosamente, o setor mais próximo do tanque é a UTI.
- Para os poucos quartos do hospital que não têm tubulação direta para o oxigênio, há 23 cilindros de oito metros cúbicos e outros de um metro cúbico (estes usado para o transporte entre leitos). Os equipamentos também vêm da Air Liquide.
- A Unidade de Pronto Atendimento (UPA), que é administrada pelo HSSM, também conta com 11 cilindros de 8 metros cúbicos.
Consequências da baixa oxigenação
Embora órgãos como rins e coração, além do sistema nervoso central, possam ser afetados pela Covid, é o pulmão o que mais sofre. No entanto, segundo a médica e coordenadora da UTI do HSSM, Jacqueline Froemming, é importante ressaltar que, na maioria das vezes, o paciente que tem o diagnóstico de Covid não tem comprometimento pulmonar. “Quando ocorre, se dá em decorrência da pneumonia viral e, neste caso, pode haver comprometimento leve, moderado ou grave.”
A partir daí, a quantidade de oxigênio que um paciente precisa é variável de acordo com comprometimento pulmonar que ele apresenta. “Em geral, se oferta oxigênio na quantidade necessária para manter a saturação no sangue em torno de 92%, 94% . Eu posso ofertar 30% ou 100% de oxigênio, de acordo com oxigenação do paciente”, explicou.
A médica ressaltou ainda que não existe um tempo máximo para utilizar o oxigênio. “Se utiliza o tempo que for necessário. Existem pacientes, por exemplo, com algumas doenças pulmonares crônicas que utilizam oxigênio domiciliar.”
Saturação
Segundo a médica Jacqueline Froemming, para os pacientes que desenvolvem pneumonia viral e que tenham baixa oxigenação, o oxigênio faz parte do tratamento. Para identificar e acompanhar a situação, é utilizado um aparelho chamado oxímetro, que mostra a saturação de oxigênio no sangue.
Se a saturação estiver abaixo de 94% ou o paciente apresentar outros sinais que indicam um esforço respiratório, inicialmente será oferecido oxigênio através de um cateter ou óculos nasal.
“Caso a saturação não melhore ou o paciente seguir com esforço respiratório excessivo, pode-se aumentar a oferta de oxigênio utilizando outras técnicas, como máscara ou cateter nasal de alto fluxo”, explicou Jacqueline.
Se ainda assim o paciente não responder às terapias de suplantação de oxigênio, então será necessário realizar a intubação e ventilação mecânica invasiva.
A falta de oxigenação pode comprometer outros órgãos e pode evoluir como disfunção de múltiplos órgãos. Sobre o quanto o corpo aguenta com pouco oxigênio, isso é variável. “Pacientes jovens toleram melhor uma oferta não ideal de oxigênio. Já pacientes idosos ou com outras doenças tendem a ter uma tolerância menor à baixa oferta de oxigênio.”
Não invasiva
Para suprir a falta de ar, muitas vezes, o caminho é o uso da ventilação mecânica, feita de forma ‘invasiva’, com um tubo que desce pela boca até a traqueia. No HSSM, a possibilidade de um tratamento mais ‘ameno’ já é realidade desde setembro, quando foram adquiridos dois equipamentos de Ventilação por Terapia de Alto Fluxo Nasal para a UTI. Com eles, tem se evitado intubações e fatores que podem gerar complicações à saúde, como o risco de um caso agravar para pneumonia.
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