
Segundo dados do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD) de Venâncio Aires, atualmente 10 pacientes são acompanhados por conta do diagnóstico de jogo patológico, também chamado de ludopatia. O transtorno é observado em indivíduos que seguem realizando apostas – sejam elas esportivas ou não -, mesmo percebendo os prejuízos para a vida financeira, familiar, profissional e emocional.
Segundo a professora da Universidade do Vale do Taquari (Univates) e médica psiquiatra, Luiza Lucas, em participação no programa Folha 105 – 1ª Edição, da Rádio Terra FM, a diferença entre o apostador por diversão e quem desenvolve o transtorno é a perda de controle. “A pessoa não consegue parar, sente um impulso muito forte e acaba entrando em um ciclo que é bem difícil de quebrar”, diz.
Este ciclo, em que se deposita dinheiro, perde a aposta e depois tenta recuperar a quantia com mais dinheiro ‘investido’, invariavelmente desencadeia no agravamento da situação financeira da pessoa e, até mesmo, da família. O resultado disso é um processo ainda mais sério de endividamento – palavra que é motivo de preocupação para muitos brasileiros. Uma pesquisa da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) divulgada neste ano aponta que 39% da população está endividada. Além disso, 77% afirma que a situação afeta a saúde emocional, as relações familiares e a qualidade de vida.
“Casos sempre existiram”
“Esses casos eu acho que sempre existiram. As pessoas que buscam os Caps principalmente têm um perfil de sofrimento e muito relacionado às questões financeiras também. Mas acredito que tem havido um aumento principalmente em relação aos jogos de aposta”, destacou a coordenadora do Caps AD da Capital do Chimarrão, Patrícia Antoni, em entrevista ao programa. Na avaliação da profissional, a facilidade oferecida atualmente, em que o acesso às plataformas é simples e até incentivado em propagandas, contribui para o acirramento dos casos.
“Antigamente, a pessoa precisava se deslocar até um local, até uma casa de bingo, de apostas. Então, tinha essa questão mais pública, social, vamos assim dizer. E agora não. Agora é isolamento, individualismo”, alertou. Outro aspecto que ajuda a explicar o vício é a possibilidade de retorno imediato, questão que não é observada em formas mais tradicionais de apostas, como loterias. Os cassinos online, as bets, entre outros, em geral, oferecem o potencial lucro de forma quase instantânea.
Mulheres são as que mais buscam apoio
Diferentemente do perfil que se observa entre os apostadores em geral, a maioria dos acompanhados pelo Caps de Venâncio Aires são mulheres. “Demonstra muito que as mulheres, que não são as que mais jogam, são as que identificam o prejuízo e buscam ajuda. Mas as pesquisas indicam que a maioria dos jogadores são homens, com baixa escolaridade”, disse Patrícia Antoni.
São casos em que o próprio paciente percebe que está se colocando em risco. No entanto, outra forma bastante comum que faz com que se inicie o acompanhamento dos profissionais do Caps é quando a família decide buscar ajuda a partir dos comportamentos apresentados pelo apostador.
Sinais de alerta
Para a professora Luiza Lucas, são sinais de alerta mentir sobre o tempo ou sobre o dinheiro que a pessoa gastou em apostas, fazer dívidas frequentes, se isolar da família dos amigos e apostar em horários inadequados – como durante o trabalho ou de madrugada: “O jogo ativa áreas do cérebro relacionadas ao prazer e à recompensa, liberando uma substância que a gente chama de dopamina, que é um neurotransmissor. Ela dá uma sensação de euforia. Com o tempo, a pessoa passa a jogar não só para se divertir, mas para aliviar sentimento de tristezas, solidão ou ansiedade.”
Patrícia contou que o serviço já teve relatos de pessoas que venderam, inclusive, casa, carro e contraíram dívidas muito grandes com bancos e, às vezes, com agiota. “Elas se envolvem em situações de muito risco para a própria vida e para vida da família. Outra coisa bem grave também que acontece é a perda de confiança. As pessoas do entorno não confiam mais nela. Então isso também gera um sofrimento, porque perde totalmente a credibilidade”, exemplificou.
Luiza, no entanto, defende que a abordagem de familiares e amigos que desejam prestar apoio deve ser empática, utilizando frases como “eu me preocupo com você”. Segundo ela, este posicionamento costuma ter melhores resultados do que críticas e ameaças. Outra dica da profissional é não emprestar dinheiro e nem pagar as dívidas contraídas pela prática compulsiva dos jogos. “Mesmo que você tenha boa intenção, isso acaba reforçando o problema”, explicou.
Cartilha contra ludopatia
- A Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead) lançou, em conjunto com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade do Vale do Taquari (Univates), uma cartilha intitulada ‘Como ajudar alguém que tem problema com apostas’.
- A professor Luiza Lucas, que participou da produção afirmou que o material “traz orientações práticas, exemplos de como conversar com quem sofre com o transtorno do jogo, como estabelecer limites e onde buscar ajuda”. A cartilha é gratuita e pode ser acessada aqui.