
Venâncio Aires - Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que o brasileiro está vivendo mais. A expectativa de vida em 2024, segundo o órgão, alcançou a marca de 76,6 anos. O número é reflexo de avanços na medicina, maior acesso a recursos e melhoria geral na qualidade de vida. No entanto, por trás das estatísticas, existe uma realidade bastante complexa dentro de muitos lares. A longevidade, muitas vezes, transforma a rotina de quem assume o papel de cuidador.
A aposentada Véra Lucia Hoffmann, de 71 anos, celebra as estatísticas sobre o tempo de vida, mas detalha as dificuldades do dia ao garantir dignidade à mãe, Terezinha Beatriz Hoffmann, de 93, que sofre de Alzheimer e vive acamada desde maio de 2024. O pai de Véra, seu Arlindo, faleceu há 9 anos, em decorrência de problemas de saúde. “Ela ficou muito dependente, e sempre quer alguém ao lado da cama, segurando a mão, e assim evitamos qualquer situação de agitação e nervosismo. Também não quer aceitar o que a gente diz, é muito difícil”, sintetiza.
Véra, junto com o companheiro de vida há cerca de 20 anos, Hélio Klafke, de 85 anos, e o irmão Mauro e cunhada Nelsi, são os responsáveis pelo cuidado. “A gente vai se revezando, estou sempre por aqui. Eu fico à noite e meu irmão e cunhada durante o dia”, explica ela. O pátio da casa de Véra fica no mesmo que a casa da mãe, o que facilita o deslocamento.

Primeiros sintomas
Os sintomas do Alzheimer em Terezinha surgiram logo após a morte do esposo. “Percebemos que ela repetia os assuntos muitas vezes e esquecia coisas básicas rapidamente. Depois, não conhecia nem mais o dinheiro. Precisamos assumir as contas e a autonomia dela”, menciona a filha.
Atualmente, por estar acamada, Terezinha precisa do apoio dos filhos para conseguir tomar água, comer, tomar banho, entre outras necessidades básicas. “Hoje em dia ela não conhece mais ninguém. Em raras vezes me chama pelo nome. No começo, pra mim, foi muito triste. É difícil observar a forma que o ser humano vai decaindo de um jeito que, por fim, não sabe o próprio nome”, conta emocionada, lembrando que a mãe sempre foi muito ativa e gostava de trabalhar na agricultura, colocando a mão na terra.
Outra lembrança pontuada por Véra são as festas e comemorações em família. “A mãe fazia paneladas de comida quando vinham as visitas. Eram momentos muito especiais. Mas são memórias que vão se apagando e, aos poucos, fica um vazio dentro de casa.”
Garra e persistência
Enquanto cuidadora da própria mãe, Véra precisou manter o equilíbrio da própria saúde física e mental. Foi então que participou de encontros do grupo Guarda-Chuva de Flor, que era realizado pela bibliotecária, agora aposentada, Rosária Costa. “Eu vi que não estava sozinha e os encontros me fortaleceram. Vi que cada um tinha problemas, independente da realidade, só mudava o endereço”, observa.
Bastante católica, Véra diz que a mãe só não esqueceu de rezar. “É sagrado, todos os dias ela fica rezando, as vezes esquece, daí a gente ajuda e ela continua”, comenta. Ave Maria, Pai Nosso, Santo Anjo e Glória ao Pai fortalecem a esperança.

Levando a vida com coração fraterno
Monitora de creche aposentada, Véra também é uma costureira de mão cheia e auxilia as Damas da Caridade da Paróquia São Sebastião Mártir na costura de itens para a Festa de São Sebastião Mártir. Inclusive, será uma das responsáveis pelas tortas da festividade. Apesar das adversidades, segue a vida de cabeça erguida.
O companheiro Hélio Klafke, que sofre de um desgaste no joelho e outros problemas de saúde, é ‘mola propulsora’ para Véra enfrentar os momentos tristes e felizes. No fim do dia, sentam no gramado em frente de casa e tomam chimarrão na sombra. Aos 85 anos ele detalha o segredo para a longevidade. “É trabalhar. Se a gente trabalha, corremos atrás, para todos os lados. Se a gente para, não vivemos”, acredita.
Enquanto Véra cuida da mãe, Hélio se dedica a fazer a comida, e cuida das verduras, circula pelo pátio, entre outras coisas. Além disso, ambos passam o dia na companhia de oito cachorros de rua que, sem terem um lar para onde ir, escolheram o casal como donos.
Cuidado preventivo e hábitos saudáveis
O aumento da expectativa de vida é uma realidade cada vez mais presente nos consultórios médicos. Segunda a médica geriatra Diana Ruaro, é perceptível a mudança perfil dos idosos, pois estão mais atentos à saúde, praticam caminhadas com regularidade, buscam orientação profissional e priorizam a autonomia.
No entanto, viver até os 76,6 anos, que é a média atual, nem sempre é sinônimo de vitalidade.
Segundo a especialista, o cenário é bastante dividido, com altos e baixos. “Muitas pessoas estão vivendo mais e melhor porque controlam doenças, fazem exercícios e acabam mantendo bons hábitos. Mas ainda há quem apenas prolongue os anos de vida convivendo com múltiplas doenças crônicas”, explica. Para a médica, a diferença está no cuidado que foi cultivado ao longo da vida, e não somente após a chegada da terceira idade.

Um ponto de atenção elencado por ela é a disparidade entre homens e mulheres. Historicamente, as mulheres vivem mais, um reflexo da busca pela prevenção. Os homens, por outro lado, ainda negligenciam a saúde, ignorando sintomas e retardando a realização de exames. Somado ao histórico de hábitos de risco, esse comportamento faz com que o público masculino chegue ao consultório em estágios mais avançados de enfermidades.
A saúde mental também desempenha um papel determinante na longevidade, especialmente após os 80 anos. Em uma fase na qual muitas mulheres vivem sozinhas, a solidão pode se tornar um gatilho para quadros de ansiedade e tristeza. “Mas vemos muitas idosas ativas em grupos, igrejas e atividades sociais. Quem mantém esses vínculos costuma envelhecer com mais leveza e autonomia”, destaca Diana Ruaro
Foco no agora
Para as gerações mais jovens, conforme alerta a médica, o envelhecimento saudável começa no presente. A receita é realizar atividade física regular, manter alimentação equilibrada, ter sono de qualidade e deixar exames preventivos em dia.
Dignidade para a terceira idade
Com as pessoas envelhecendo mais, o assunto também se torna pauta de discussão dentro da gestão pública. O deputado estadual Airton Artus apresentou recentemente na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul o projeto ‘Terceira Idade com Dignidade’. A proposta oferece suporte às famílias que não tem condições de prestar assistência domiciliar aos pais ou parentes idosos.
O parlamentar justifica que o projeto serve como solução para a chamada ‘geração sanduíche’ – que são os adultos que precisam conciliar o trabalho com o cuidado dos filhos e, simultaneamente, com a atenção aos pais idosos.
Assim, a iniciativa propõe uma colaboração tripartite, com Estado, Prefeitura e família do idoso contribuindo cada um com o valor de um salário mínimo para financiar internações unidades de saúde ou casas geriátricas. “As pessoas estão vivendo mais, mas esse aumento da longevidade vem acompanhado de doenças mentais e osteoarticulares, que exigem cuidados especializados. Muitas vezes, a família não tem condições técnicas ou financeiras de dar essa atenção”, explica o deputado.
O projeto já está protocolado na Assembleia Legislativa e ainda precisa tramitar dentro do parlamento. “Não é uma questão simples, há muitos projetos na fila, mas estamos nos esforçando para que ele seja votado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) já no início do próximo ano”, projeta.
Financiamento
Artus ainda defende que é necessária reforma no financiamento da saúde e da assistência social no Brasil. Ele sugere a criação de fundos alimentados com recursos provenientes da exploração do Pré-sal e da Margem Equatorial, dando cobertura financeira necessária para a Previdência Social conseguir se manter.

Políticas locais para enfrentar o envelhecimento
Na Capital do Chimarrão, a expectativa de vida segue tendência nacional. E esse cenário exige estratégias para promover qualidade de vida e cuidado. Um dos órgãos responsáveis pela articulação de ações é a Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Social. A titular da pasta, Camilla Capelão, refere que o município indispõe de um levantamento que apresente a situação da população idosa atualmente e confirma que esse diagnóstico está em fase de elaboração, com relatório sendo apresentado até o fim de março. O documento vai mapear o perfil demográfico e necessidades desse público.
Rede de atendimento
- A secretaria mantém uma rede de serviços estruturada. O destaque é o Centro Dia Inácio José Assmann, inaugurado em 2024. O espaço funciona de segunda a sexta-feira, nos turnos da manhã e tarde, com capacidade para atender até 20 idosos em situação de vulnerabilidade. No local, os frequentadores contam com alimentação, oficinas e o acompanhamento de uma equipe técnica composta por assistente social, psicólogo e cuidadores.
- Como porta de entrada do Sistema Único de Assistência Social (Suas), os Centros de Referência de Assistência Social (Cras) oferecem o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), além de orientações e acompanhamento familiar.
- Orçamento municipal prevê a política de ‘Manutenção de Ações Voltadas ao Idoso’, garantindo que o planejamento de metas e políticas públicas tenha recursos específicos.
- Através do monitoramento do Cras e do Creas, a Prefeitura identifica idosos em situação de abandono, risco ou violação de direitos, encaminhando-os para acolhimento institucional e cuidados de saúde quando necessário.
Saiba mais
- A expectativa de vida de 2025, na comparação com 2023, subiu 2,5 meses.
- Para a população masculina, o aumento foi de 73,1 para 73,3 anos.
- Já para mulheres, a alta foi de 79,7 para 79,9 anos.
- Conforme os dados do IBGE, a longevidade da população aumentou 31,1 anos nas últimas nove décadas, saindo de 45,5 anos em 1940 para 76,6 anos em 2024.
- No mundo, a maior expectativa de vida ao nascer para ambos os sexos pertence a Mônaco (86,5 anos), seguido por San Marino (85,8 anos), Hong Kong (85,6 anos), Japão (84,9 anos) e Coreia do Sul (84,4 anos).