A utilização da cloroquina ou seu derivado, a hidroxicloroquina, tem ganhado destaque nos debates referentes ao tratamento de pacientes diagnosticados com a Covid-19 no Brasil. Nesta semana, o assunto voltou à pauta, quando o Ministério da Saúde incluiu na quarta-feira, 20, o medicamento no protocolo de tratamento para pacientes com sintomas leves da doença. Conforme o documento divulgado pela pasta, cabe ao médico a decisão sobre prescrever ou não a substância, sendo necessária ainda a vontade declarada do paciente, com assinatura do Termo de Ciência e Consentimento.
Médica intensivista, Jacqueline Froemming observa que ainda não se tem embasamento científico que aborde os efeitos do uso da cloroquina ou seu derivado, hidroxicloroquina, no tratamento de pacientes com quadros leves da Covid-19. Por isso, ela acredita que o mais correto seja esperar os resultados de estudos sobre a utilização da substância nos quadros ambulatoriais, para que eles guiem as decisões tomadas pelos médicos.
“Temos que estar embasados em evidência para termos segurança de prescrever. Precisa ter esse respaldo da ciência para nos ajudar”, destaca. Contudo, segundo Jacqueline já existem diversos estudos relacionados ao uso desses medicamentos no tratamento de pacientes internados com quadro grave da doença. Algumas dessas pesquisas mostram que o paciente não teve melhora e outras que o quadro se agravou ao fazer uso do medicamento. “Ainda falta termos embasamento e trabalhos que autorizem o uso em casos leves”, avalia.
De acordo com o diretor clínico do Hospital São Sebastião Mártir (HSSM), Guilherme Fürst, a mudança no protocolo do Ministério da Saúde, incluindo a hidroxicloroquina no protocolo de tratamento de pacientes com quadro leve da Covid-19, não muda nada em relação aos pacientes que estão internados no hospital. “Muda em relação aos pacientes ambulatoriais, pois o protocolo deixa livre ao médico a decisão de usar ou não em pacientes suspeitos com casos leves”, pondera, ao salientar que essa é uma decisão tomada conjuntamente entre o médico e o paciente a respeito do tratamento.
Efeitos colaterais
O presidente da Sociedade Riograndense de Infectologia, Alexandre Vargas Schwarzbold, também defende a necessidade de estudos que comprovem os efeitos de uso da medicação e ainda observa que algumas evidências, inclusive, são contrárias à utilização. Ele explica que a evidência é graduada em termos científicos e que mostrem que realmente tem efeito.
“Já tem um bom número de estudos, entre chineses, americanos e brasileiros, mostrando o não efeito em pacientes graves e, inclusive, dependendo da dose que usa mostrando efeito deletério”, salienta. Schwarzbold ainda reforça que já se tem conhecimento sobre efeitos colaterais em algumas situações, principalmente em pessoas com cardiopatia, o que no Brasil é muito comum.
“O principal efeito adverso dele é uma alteração do ritmo do coração ou uma alteração que chamamos de isquêmica, que é a angina”, explica. O presidente da Sociedade Riograndense de Infectologia ainda observa que quase 90% das pessoas diagnosticadas com a Covid-19 vão evoluir bem, com uma cura chamada de espontânea.
Autonomia médica
O presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers), Eduardo Neubarth Trindade, também observa que não se tem evidências que sugiram que o uso da cloroquina seja realmente um tratamento curativo para o coronavírus em qualquer estágio da doença. Em entrevista ao programa Terra em Meia Hora, da Rádio Terra FM, Trindade ainda reforçou que o médico tem autonomia para prescrever a medicação quando achar necessário e, da mesma forma, tem a responsabilidade por um eventual efeito adverso no paciente.
“Eu gostaria que a hidroxicloroquina funcionasse, só que, infelizmente, os estudos científicos bem delineados que foram feitos tanto pela Europa quanto pelos Estados Unidos não demonstraram que traz benefício e nós não podemos dar a falsa sensação para a população de que temos a cura para o coronavírus, enquanto que até o presente momento nós não temos uma medicação que traga cura, seja nos casos graves ou nos casos leves”, compartilha.