Diretor técnico do Hospital São Sebastião Mártir (HSSM), o médico Guilherme Fürst Neto recebeu a reportagem da Folha do Mate, durante a semana, para falar a respeito deste novo momento no que se refere à pandemia de coronavírus. Figura emblemática no enfrentamento à doença, que por vezes fez circular áudios assustadores, mas que serviam como alerta para a comunidade, ele concorda que Venâncio Aires deve confirmar sua condição de abrandamento no número de doentes por Covid-19. “A redução de novos casos que ocorre progressivamente nas ultimas três semanas vem confirmando uma expectativa grande que se tinha em relação à vacinação e aliviando o sistema de saúde”, afirma o profissional.
A queda na procura por atendimentos relacionados à Covid e, consequentemente, um menor número de pessoas que demandam dos recursos hospitalares, de acordo com o médico, configuram situação esperada pelas equipes de saúde há muito tempo. “É, sim, um alivio nos casos. Temos redução nas internações e óbitos e o avanço da vacinação em massa. Lembro que, em determinado momento, eu pedi o apoio dos veículos de comunicação e tive que dizer para as pessoas não ficarem doentes, pois não tínhamos mais condições de receber ninguém no hospital. Hoje o cenário é outro e esperamos que só melhore”, destaca.
“Todos estavam lá de coração e alma, fazendo absolutamente tudo o que podiam. Foram momentos tensos, delicados, grandes períodos de estresse, onde muita gente passou noites sem dormir.”
Entrevista
Folha do Mate – O que o hospital está pensando em relação à reorganização de equipes, retomada de cirurgias eletivas e outros procedimento particulares, que são importantes para a saúde financeira da instituição?
Guilherme Fürst Neto – Durante a pandemia, a prioridade foi o atendimento aos pacientes Covid, especificamente por alguns motivos: ordens do Estado para restrição de cirurgias, dificuldades de aquisição de medicações anestésicas, necessidade de realocação de pessoal para atendimento a leitos extras de UTI e internação que tiveram que ser criados para suportar a demanda. Com a diminuição dos casos e o avanço da vacinação, a tendência nos próximos meses é retomar a normalidade de funcionamento no sistema hospitalar.
Especificamente sobre as cirurgias eletivas, já existe uma previsão de retomada, já que houve um represamento, em razão da necessidade de foco no enfrentamento à Covid?
Um dos grandes prejuízos que tivemos nesse período foi a impossibilidade de manutenção das cirurgias eletivas – aquelas onde não há urgência -, gerando um represamento. A expectativa é que os números de novos casos e internações confirmem a queda nas próximas duas semanas, para que possamos, em agosto, promover a desativação de setores dentro do hospital, realocar novamente nossas equipes e tentar dar vazão a essa fila. Ainda teremos que nos manter alertas e com cuidados de distanciamento, mas provavelmente a partir da segunda quinzena de agosto deveremos retomar, inclusive, ambulatórios de atendimentos eletivos.
O que dizer dos profissionais de saúde que, neste tempo todo, se desdobraram nas suas funções para garantir atendimento de qualidade aos cidadãos de Venâncio Aires?
Ah, não tenho como falar de toda essa equipe de profissionais do hospital sem me emocionar, né? Tu, inclusive, sabe como foi. Esteve conosco nos piores dias da pandemia, como paciente. Todos estavam lá de coração e alma, fazendo absolutamente tudo o que podiam. Foram momentos tensos, delicados, grandes períodos de estresse, onde muita gente passou noites sem dormir. Mas tivemos organização, tivemos preparação, e isso facilitou muito. Todos foram sobre humanos, muitos deixaram seus fins de semana e suas famílias e foram trabalhar por dias seguidos. Tivemos colegas médicos que viviam dentro do hospital uma noite após a outra, que fecharam seus consultórios e foram para a emergência atender. Tivemos colegas médicos que saíam do seu turno de plantão na UTI e iam ajudar a manejar pacientes na emergência. Enfermeiros que fizeram plantão direto por 30 dias. Imagina um hospital com 10 leitos de UTI, com médicos e equipes para 10 leitos, em 20 dias chegar a ter 28 pacientes de UTI. Como se faz isso? Com superação, dobrando escalas e plantões. Mas o mais legal é que eles aguentaram, todos se ajudaram, muitas diferenças foram deixadas de lado, muitas parcerias foram criadas e mostraram o seu poder, o poder de ajudar os outros. Pergunta-me como? Foram treinados para isso! E cumpriram seu papel. Como diretor do hospital, posso dizer sem receio que nós temos a melhor equipe do mundo! Pode não ser a maior, mas não conheço mais valente e comprometida.
“O oxigênio de uma sala não funcionava de jeito nenhum. Naquela noite, nossa equipe de manutenção quebrou uma parede e trabalhou até altas horas para, no outro dia, estar tudo funcionando.”
Lembra do começo de tudo, quando a pandemia era apenas uma possibilidade, ainda? Como vocês se programaram para enfrentar a Covid-19?
Em março de 2020 já tínhamos um plano elaborado. Níveis de alerta e contingência que iam avançando conforme a situação fosse piorando – e cada nível incorporava mais pessoas e mais recursos para auxiliar. O nível mais básico era a contingência fora do sistema hospitalar. O segundo nível era a ocupação da UTI. O terceiro nível, a abertura de mais UTIs. E o quarto e mais alto nível, que nunca pensamos que chegaríamos, mas chegamos, em março de 2021, era virar tudo UTI e fechar uma parte do hospital. Esse plano foi elaborado e dividido por muitas pessoas. Papéis foram definidos, cada gerente do hospital e cada coordenador médico e de Enfermagem de cada área envolvida sabia das suas atribuições e responsabilidades. Isso facilitou muito, pois todos eles foram cirúrgicos, precisos e executaram o planejamento sem titubear.
Você foi o líder de todos estes profissionais desde o começo da pandemia até agora. Como se virou para atender a todas as demandas, incluindo medicamentos, alimentação e equipamentos de proteção individual?
Quando se fala em linha de frente de enfrentamento ao coronavírus, logo nos vem na cabeça a imagem dos enfermeiros e médicos, mas não é só isso. Tem toda uma estrutura por trás. Imagina que cada médico troca de avental ao examinar diferentes pacientes, e isso precisa ser comprado. São horas procurando preços e negociando valores. Imagina que todos precisam comer. É muita comida. Imagina lavar a roupa de tanta gente que trabalha 24 horas por dia. Todos que trabalham com Covid não usam roupas normais, usam roupas cirúrgicas especiais. Então, tem muita coisa por trás, tem uma grande engrenagem funcionando, e todos funcionaram! Em relação aos medicamentos, ainda temos dificuldades de compras, mas de forma mais isolada e pontual. Oxigênio tivemos um momento mais preocupante, mas hoje não temos dificuldades. Agora, com a redução do consumo em todas as regiões, a situação deve ser cada dia melhor. Mas a estrutura ainda sente as dificuldades. Tem muita conta pra trás, os preços ainda estão muito altos, ainda pode faltar matéria-prima para produção, temos que ir avaliando.
Entre tantas experiências neste período, consegue destacar algum momento marcante?
Houve alguns momentos muito marcantes. Quando abrimos leitos de Unidade de Terapia Intensiva dentro da nossa emergência, estávamos com o setor lotado de casos. Foi realmente uma loucura, e o oxigênio de uma sala não funcionava de jeito nenhum. Naquela noite, a nossa equipe de manutenção quebrou uma parede e trabalhou até altas horas para, no outro dia, estar tudo funcionando adequadamente. Depois, quando tivemos que montar uma UTI dentro do nosso bloco cirúrgico, ficamos uma noite entre três – eu, a chefe de enfermagem e uma técnica em enfermagem – trabalhando até as 2h para iniciarmos a transferência de pacientes às 6h da manhã.
“Venâncio Aires sempre ajudou o Hospital São Sebastião Mártir. E o hospital não faltou quando precisaram dele. Se mostrou grande, se fez forte e imponente na presença de cada um dos seus colaboradores.”
Sobre o avanço da imunização, o que tem a dizer?
É o que todos queremos, é o que todos precisamos. Que cada vez mais a vacinação avance. Que cada vez mais as pessoas busquem a vacina. Que cada vez mais tenhamos vacina para todos. Um pedido especial aos que não creem na vacina: não percam tempo, não percam a chance. Essa doença é uma praga, é traiçoeira. Não tem idade, credo ou raça que mude isso. Não desafiem a Covid, pois ainda não sabemos o que vem pela frente. Quem puder, se vacine. Faz a diferença.
A pandemia colocou em evidência em parceria entre a comunidade e o hospital?
Venâncio Aires sempre ajudou o Hospital São Sebastião Mártir. E o hospital não faltou quando precisaram dele. Se mostrou grande, se fez forte e imponente na presença de cada um dos seus colaboradores. Não foi perfeito, tenho certeza disso. E, em nome de todos, peço desculpas aos quais falhamos. Porém, o hospital talvez seja a instituição mais necessária para a nossa cidade e região e, por isso, devemos todos continuar abraçando a causa. Agora serão novos tempos, mais leves, menos tensos. Mas temos muito trabalho pela frente. Temos muitos colaboradores doentes, muitos cansados, muitos deprimidos com as derrotas que tivemos. Muitos pensam em desistir, em mudar de vida ou trabalho, mas não podem, precisam do emprego e precisam trabalhar. Precisamos reconstruir, recomeçar. E a comunidade vai ser muito necessária neste novo abraço ao hospital. Tenho certeza disso.