
Venâncio Aires - Ela faz parte da mesa farta da casa da vó, de uma roda de chimarrão entre amigos e dos almoços das comunidades. Em Venâncio Aires, tem até dia específico no leque de ofertas dos supermercados. Um quitute tão simples, mas que carrega um sabor e um simbolismo enormes para o paladar e a memória afetiva: a cuca, que por toda essa referência de tradição, em 2025 também virou Patrimônio Cultural Imaterial do Rio Grande do Sul.
Um costume que acompanhou os imigrantes alemães e que, portanto, ainda tem raízes muito fortes e fundas no município. Ande por qualquer quermesse de interior e lá você encontrará cuca e, claro, as cuqueiras, como são conhecidas as mulheres com ‘boa mão’ e responsáveis pelo preparo. Em Linha Isabel, quando o assunto é cuca, um nome é unanimidade: Semilda Pressler, 74 anos.
Semilda é natural de Linha Marechal Floriano, mas se mudou para ‘Isabela Pikade’ aos 17, logo após casar com Evaldo Pressler, hoje com 75 anos. Ela lembra que, quando criança e adolescente, cuca era coisa para datas importantes, como Natal, Páscoa e aniversários. A mãe, Wilma Seidel, era quem preparava, inclusive a de ‘keschmier’, o sabor favorito de Semilda até hoje.
O início como cuqueira
Embora tenha aprendido a se virar na cozinha ainda muito mocinha, como foi para qualquer mulher dessa geração, Semilda conta que aprendeu a fazer cuca, pra valer, com Sibila Ludwig e Romilda Siebeneichler (das famílias cujos sobrenomes conduziram o antigo salão da localidade). “Em 1973, quando teve a festa do centenário da Linha Isabel, eles queriam pessoas mais jovens para ajudar a preparar as cucas e me voluntariei. E assim é até hoje, mais de 50 anos depois, sempre como voluntária”, observa a agricultora aposentada.

Fornos de pedra
Tanto em casa, quanto no ginásio de Linha Isabel, as cucas preparadas pelas mãos de Semilda são assadas em forno de pedra. “Lá no ginásio cabem 12 formas e sou eu quem cuida do forno. São mais ou menos 10 mulheres que preparam tudo nas festas e eu dou as dicas, vou orientando”, revela, tímida, sobre a liderança natural que desenvolveu ao longo dos anos.
Legenda: Agricultora aposentada começou a ajudar no preparo das cucas na comunidade na festa do centenário de Linha Isabel, em 1973
210 – foi o número de cucas que Semilda e outras mulheres prepararam para a quermesse da comunidade, em abril de 2024. “Acho que foi um recorde. Tinha 130 cucas enroladas e 80 com farofinha em cima.”
“Não é a cuca da Semilda”
Nos últimos anos, teve uma única festa que não contou com as mãos de Semilda no preparo das cucas. “Meu marido tinha feito uma cirurgia e precisava cuidar dele. Então naquele ano não fiz. E muita gente estranhou. Uns até disseram ‘Não é a cuca da Semilda’, porque acharam que estavam diferentes”, conta, entre risos.

As favoritas da família
Em casa, Semilda diz que faz cuca quase todo fim de semana. Ela sempre gostou especialmente da de keschmier, enquanto o marido, Evaldo, prefere apenas o açúcar sobre o streusel, aquela espécie da farofa preparada à base de farinha, açúcar e gordura e que é polvilhada sobre a massa. A única filha, Cristiane, segue o gosto do pai e o genro, Celson Renz, prefere de coco. A neta Fernanda gosta de cuca de chocolate, enquanto o neto Evandro fica com a de açúcar.
Sobre as favoritas na comunidade de Linha Isabel, ela comenta que as mais pedidas são de uva e laranja, além da cuca enrolada de framboesa. Isso vale para as festas ou nos eventos do Clube de Mães Unidas, da qual ela é vice-presidente. “Fazer cuca é uma coisa que gosto muito e acho que vou fazer até quando não puder mais.”
E para quem imaginava que as mãos de Semilda são boas apenas para cuca, saiba que ela também tem outra fama: fazer sobremesas e tortas para festas de casamentos, comunhão e bodas. Inclusive, para os eventos da própria família, como quando ela e Evaldo celebraram 50 anos de casados, em 2019.
Receita da cuqueira
Para uma receita que pode render até três cucas, Semilda diz que usa, para a massa: um quilo de farinha, uma xícara de açúcar, dois ovos, um litro de leite, sal, fermento, canela, noz-moscada, baunilha, raspas de limão, banha e manteiga. Para o streusel (farofa), uma xícara de farinha, uma xícara de açúcar, banha e manteiga.