Era para ser apenas mais um dia normal na vida de João. Acordou, preparou-se para sair, deixou os filhos na escola, a esposa no serviço e partiu rumo a mais um dia de trabalho, que transcorreu como o previsto. Ao fim, pegou o carro no estacionamento e era chegada a hora de voltar para casa. O dia parecia terminar bem, mas ele começou a sentir uma sensação de desconforto que em cerca de dez minutos chegou ao seu ápice. João não estava nada bem.
Ele viu o seu coração acelerar, começou a suar, tremer e sentir falta de ar, a boca secou e era como se estivesse prestes a sufocar. Sentia-se tonto, a visão estava turva e tinha pensamentos confusos. João, que há poucos minutos estava relativamente bem, passou a achar que vivia seus últimos minutos na Terra. Apesar do desespero, conseguiu estacionar o veículo e pedir ajuda. Foi levado ao hospital da cidade, que ficava ali perto. Ele e quem o ajudou pensavam tratar-se de infarto. O próprio médico que o atendeu não descartou a hipótese e o encaminhou para a realização de um eletrocardiograma, que não confirmou nenhuma alteração significativa nos batimentos cardíacos. O homem foi medicado para que se acalmasse.
Conversa vai, conversa vem com o doutor, João contou que já havia passado por situações parecidas – e que ainda viriam a se repetir até que um tratamento começasse a fazer efeito. O diagnóstico? Síndrome do pânico, um tipo de transtorno de ansiedade no qual ocorrem crises inesperadas de desespero e medo intenso de que algo ruim aconteça, mesmo que não haja motivo algum para isso ou sinais de perigo iminente.
Personagem que abre esta matéria, João e o episódio vivenciado por ele foram criados com base em relatos de pessoas que sofrem ou já sofreram com a síndrome do pânico e descrevem as sensações em espaços como sites, blogs e perfis em redes sociais que tratam sobre o tema. O objetivo foi mostrar como se sentem as pessoas que convivem com esse transtorno de ansiedade, pois os casos são mais comuns do que se imagina.
Considerado o autor mais lido da última década, o psiquiatra Augusto Cury diz que a ansiedade é o novo mal do século, fruto do pensamento acelerado, mas de acordo com a Ciência, um conjunto de fatores pode desencadear o desenvolvimento da síndrome do pânico, como genética, estresse, temperamento forte e suscetível ao estresse e mudanças na forma como o cérebro funciona e reage a determinadas situações.
>>> Psiquiatra alerta para limitações causadas na vida social
O transtorno de pânico costuma comprometer de forma séria a qualidade de vida dos pacientes. Como explica a psiquiatra Ivone Cimatti, que atua no Centro de Atendimento Psicossocial (Caps) II, após a primeira crise o paciente é tomado por um sentimento de insegurança devido ao temor de passar novamente pela situação e, por isso, começa a limitar sua vida social.
A psiquiatra explica que o transtorno está comumente ligado à agorafobia, medo de lugares e situações que possam desencadear pânico, sensação de impotência ou constrangimento. “A pessoa deixa de fazer as coisas que habitualmente faz porque tem medo de passar mal. Passa a ter medo de ir aos lugares, passar mal e não ter como sair dali ou se ver numa situação em que se sinta humilhada e vexada por uma situação de exposição.” é comum passar a evitar locais fechados e com muitas pessoas, como festas.
Nos quadros de síndrome do pânico, ela menciona que as crises costumam ocorrer de modo periódico e durar de 10 a 20 minutos. “As pessoas relatam uma sensação de que vão morrer ou algo muito grave vai acontecer, como se elas não fossem sobreviver àquilo.” A psiquiatra diz que a sensação não costuma ser acompanhada de dor, mas nem por isso os sintomas deixam de ser reais. Logo, a síndrome do pânico não pode ser taxada com um transtorno apenas de caráter psicológico, uma vez que é acompanhada de sintomas orgânicos.
Tratamento é fundamentalpara recuperar a rotina
Ivone ressalta que a síndrome do pânico tem cura e o tratamento é de fundamental para que o paciente recupere sua qualidade de vida. “A importância do tratamento é que você vai quebrar esse ciclo de crises.” No início, menciona, é comum que persista o sentimento de medo, mas a confiança tende a ser retomada na medida em que as crises deixem de ocorrer. Sem tratamento, a psiquiatra cita que 60% dos casos tendem a evoluir para a depressão, além de aumentar o risco de suicídio.
Quem sentir sintomas semelhantes aos do personagem João, relatados no início da reportagem, deve buscar atendimento médico para a que a situação seja investigada e o diagnóstico confirmado. A psiquiatra explica que o atendimento pode ser buscado junto a especialistas ou nos postos de saúde e o tratamento conduzido por médicos clínicos gerais. De acordo com o quadro, há a possibilidade de encaminhamento para o Caps, que oferece grupos de relaxamento com encontros às segundas-feiras, das 13h às 14h30min e das 14h30min às 16h.
Conforme Ivone, o tratamento medicamentoso costuma durar um ano e transcorre por meio do uso de antidepressivos associados a calmantes, que são disponibilizadas pelo Sistema único de Saúde (SUS). Já a psicoterapia auxilia no tratamento por meio do desenvolvimento de estratégias de enfrentamento das crises. Além disso, o paciente pode amenizar a ansiedade a partir da prática de exercícios de relaxamento, como yoga e meditação, e de atividades físicas.
Apesar de haver cura para a síndrome do pânico, Ivone ressalta que em torno de 70% dos pacientes podem voltar a apresentar crises após o tratamento, o que aponta para a necessidade de reintroduzir o uso da medicação e buscar a psicoterapia. Algumas pessoas podem necessitar de tratamento contínuo. Em função do estresse diário da chamada vida moderna, a psiquiatra também aponta que é cada vez mais necessário buscar uma vida saudável por meio da conciliação das atividades diárias com momentos de lazer e prática esportiva, para que mente e o corpo estejam em harmonia.
é PRECISO COMPREENSãO
Aos que convivem com pessoas que sofrem com a síndrome do pânico, a psiquiatra Ivone Cimatti destaca que é preciso haver compreensão de que a intensidade da ansiedade que acomete os portadores do transtorno é diferente da ansiedade cotidiana que eventualmente toma qualquer ser humano.
“Você até pode ter um certo medo e sentir um frio na barriga ao viajar de avião, mas você consegue, mas para quem tem a síndrome do pânico é praticamente impossível entrar no avião sem medicação. Porque é uma ansiedade muito maior.”
Apesar de reconhecer a dificuldade, acrescenta que as pessoas próximas devem estimular o paciente a encarar a realidade, porque o afastamento da vida social pode ser pior e desencadear uma série de fobias. “Porém sem tornar isso um cavalo de batalha e com sensibilidade par o quanto é suportável naquele momento a atividade”, ressalta a profissional.
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