Angústias, medos e a pressão social que fazem parte do cotidiano de muitos adolescentes são o tema central de um projeto de valorização da vida encabeçado pelos estudantes do Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSul) Theo de Lima Goes, 19 anos, e Jeferson Gabriel Ribeiro dos Santos, 17 anos.

Depois de desenvolverem um projeto de pesquisa, no ano passado, sobre a temática do suicídio, eles decidiram lançar mão dos estudos de teorias de pensadores como Nietzsche, Jung e Durkheim e, com um toque de teatro, estimular o diálogo sobre o assunto. “É um tema que faz parte do cotidiano de muita gente. Começamos a nos questionar porque tanta gente passa por isso e vimos o quanto é importante falar sobre o assunto”, explica Theo.

Foto: Juliana Bencke / Folha do MateDepois de pesquisar sobre o tema, Theo e Jeferson decidiram utilizar o teatro, dividir conhecimento e contribuir com a prevenção do suicídio
Depois de pesquisar sobre o tema, Theo e Jeferson decidiram utilizar o teatro, dividir conhecimento e contribuir com a prevenção do suicídio

Com orientação e acompanhamento do psicólogo do IFSul, Wagner Saldanha, o projeto ‘A valorização da vida através do teatro’ compreende intervenções cênicas e uma palestra ministrada pelos próprios estudantes – uma ‘perfopalestra’. Por meio de parceria com a Secretaria Municipal de Educação, a atividade tem percorrido escolas de Venâncio Aires.

Saldanha reconhece que, no princípio, a ideia de abordar um tema complexo como o suicídio por meio do teatro, pareceu complicada. “Mas, na medida em que fomos estudando e que percebemos a confiança deles com o teatro, aliada à seriedade com que deve ser abordado o tema, percebemos que poderia dar certo”, conta.

Falar em suicídio significa falar em sofrimento humano. Criando um momento para se falar e pensar sobre isso, estejamos promovendo valores como o respeito e o cuidado com a saúde mental individual e coletiva.”WAGNER SALDANHAPsicólogo do IFSul

Psicólogo e estudantes são unânimes em afirmar que, por meio do teatro, é possível atingir o público de uma maneira diferente. “Manter adolescentes atentos a uma palestra pode não ser tarefa fácil, e vimos o teatro como o responsável por tornar isso possível de uma maneira interessante”, afirma Saldanha, ao destacar a importância de encarar o assunto como um problema de saúde pública e divulgá-lo.

O professor de Artes do IFSul e coorientador do projeto, Marcio Rodrigues também observa que o teatro faz com que seja possível ver uma “fatia da realidade” representada no palco. “Isso causa um desconforto e ajuda a repensar sobre o que fazemos todo dia, sobre coisas que estão naturalizadas. No caso do suicídio, que é algo tão forte na cidade, mas do qual pouco se fala, o teatro se mostra ainda mais importante”, considera.

Empatia e auxílio na identificação de casos de sofrimento

A assessora psicoeducacional da Secretaria de Educação, Évelin Tatielle Fröhlich, considera a identificação entre os adolescentes que assistem ao teatro e à palestra e aos que realizam a apresentação um aspecto positivo, que permite um melhor entendimento sobre o tema. “Além disso, ajuda na identificação de situações que já estão acontecendo e que vêm à tona após os alunos assistirem à perfopalestra. E isso é muito bom, pois nos traz a possibilidade de intervir e auxiliar os adolescentes”, complementa.

É um projeto de grande importância pois oportuniza um momento para refletir e compreender mais sobre nossa própria vida e isso faz parte da construção da nossa identidade como sujeito. Tratando-se da adolescência, uma fase bastante frágil, isso se faz ainda mais necessário.”ÉVELIN TATIELLE FRÖHLICHAssessora psicoeducacional da Secretaria Municipal de Educação

A intervenção realizada por Theo e Jeferson é realizada em dois momentos: primeiro, é apresentada a palestra permeada de interpretações cênicas e música; após, no contraturno das aulas, estudantes interessados podem participar de um bate-papo sobre os temas.

“Percebemos que, como somos adolescentes como eles, é mais fácil para se abrirem com a gente. Com isso, podemos indicar algumas questões para a direção da escola, que às vezes passam despercebidas, como casos de automutilação”, comenta Jeferson.

Évelin garante que é possível perceber mudanças, a partir desses espaços de escuta aos adolescentes, nas escolas que já receberam o projeto. “Eles passam a se dar conta que tem pessoas olhando para eles, se importando com eles e que querem ajudar. Esse sentimento acolhe e aproxima, fazendo com que se sintam à vontade para conversar e pedir ajuda.”

Foto: Alvaro Pegoraro / Folha do MateDiálogo sem julgamento é forma de evitar o isolamento do adolescente, em caso de sofrimento emocional
Diálogo sem julgamento é forma de evitar o isolamento do adolescente, em caso de sofrimento emocional

Como ajudar e buscar ajuda

O psicólogo do IFSul, Wagner Saldanha, explica como famílias, professores e amigos podem auxiliar pessoas que estejam em sofrimento.

Quais as orientações para pais, professores e próprios estudantes, em situações de bullying, depressão, tentativa de suicídio e automutilação?

Os adolescentes devem procurar ajuda com os adultos mais próximos, seja em casa, na escola ou com outra pessoa com quem se sintam confortáveis em dizer que não se sentem bem e que precisam de ajuda. O mais importante em todos os casos é que o adolescente não se isole e que procure ajuda para o tratamento de seu sofrimento e dos sintomas. Os responsáveis, em casa ou na escola, devem acompanhar ou encaminhar o adolescente para que seja atendido em unidades de saúde, Caps i ou hospital, em casos de urgência.

A quais sinais devemos estar atentos para auxiliar alguém que precisa de ajuda, mas nem sempre consegue verbalizar?

É sempre importante manter o diálogo e tentar entender o que está acontecendo com pessoas próximas. Para que o diálogo seja possível, é preciso não banalizar o sofrimento do outro e estar disponível para escutá-lo. Este cuidado evita o isolamento que tanto preocupa nos momentos de crise. Pais e professores, assim como os colegas de aula, podem estar atentos a mudanças nos padrões de comportamento. A tristeza excessiva e o isolamento, o descuido com a aparência e a higiene pessoal, o abuso de drogas e a exposição a outras situações de risco podem ser sinais importantes de que a pessoa não está bem, mesmo que ela não fale sobre isso. Caso fale em suicídio, o mais importante é não ignorar ou achar que é bobagem ou brincadeira.

Qual a importância de ações preventivas, como o projeto ‘A valorização da vida através do teatro’?

Falar em suicídio significa falar em sofrimento humano. As exigências sociais deixam pouco espaço para isso em nossa cultura. Por isso, é importante divulgar que este é um problema de saúde pública e que existem recursos para tentar evitá-lo. É importante que se compreenda que quem procura ajuda está se responsabilizando pela própria vida, com sua saúde e bem-estar, devendo ser encorajado e valorizado este comportamento, e não o contrário.