Testes detectam 21 agrotóxicos na água que abastece Venâncio Aires

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Qual o prazo de validade dos agrotóxicos? Assim como qualquer item comercializado e regulamentado, pode variar. Mas, se para o seu uso é preciso obedecer a certas normas, depois que vai para o meio ambiente não se trata de algo perecível e seus efeitos podem, com o tempo, trazer prejuízos à saúde. O alerta, para isso, pode partir até de um simples copo d’água.

Em janeiro de 2018, a Folha do Mate já havia levantado a questão: a água que abastece Venâncio Aires tem resquícios de agrotóxicos. A confirmação se deu após uma única coleta, em 2016, na qual a análise da água bruta do arroio Castelhano indicou a presença da Atrazina, um herbicida que apareceu em níveis acima do permitido pela legislação.

Passado um ano, a reportagem retoma o assunto e tem, pelo menos, outros 20 motivos para isso. Em publicação feita nesta semana, a Agência de Jornalismo Investigativo (Agência Pública) revelou que 27 agrotóxicos foram encontrados na água de um a cada quatro municípios brasileiros durante análises realizadas entre 2014 e 2017. Em Venâncio Aires, com a Atrazina, são 21 no total (veja box), sendo oito associados a doenças crônicas como câncer e distúrbios endócrinos.

Agrotóxicos detectados*

Alaclor – 1 detecção em 17 testes

Atrazina – 4 detecções em 17 testes

Carbendazim – 2 detecções em 2 testes

DDT + DDD + DDE – 6 detecções em 13 testes

Diuron – 2 detecções em 2 testes

Glifosato – 1 detecção em 13 testes

Lindano – 1 detecção em 17 testes

Mancozebe – 2 detecções em 2 testes

2,4 D + 2,4,5 T – 1 detecção em 4 testes

Aldicarbe – 1 detecção em 2 testes

Aldrin – 1 detecção em 17 testes

Carbofurano – 2 detecções em 2 testes

Clorpirifós – 2 detecções em 2 testes

Endrin – 1 detecção em 17 testes

Metamidofós – 2 detecções em 2 testes

Metolacloro – 1 detecção em 17 testes

Molinato – 1 detecção em 17 testes

Parationa Metílica – 2 detecções em 5 testes

Profenofós – 2 detecções em 2 testes

Tebuconazol – 2 detecções em 2 testes

Terbufós – 2 detecções em 2 testes

*Os dados são do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), do Ministério da Saúde.

Brasil

À Agência Pública, o Ministério da Saúde informou que “a exposição aos agrotóxicos é considerada grave problema de saúde pública”, mas ressaltou que ações de controle e prevenção só podem ser tomadas quando o resultado do teste ultrapassa o máximo permitido em lei. No Brasil, os limites são individuais e não consideram a mistura de substâncias.

Resquícios podem permanecer por anos

Até aqui, o venâncio-airense já pode ter ficado com receio de abrir a torneira, mas é preciso esclarecer que, dos 21 agrotóxicos detectados na água, apenas um apareceu acima do limites permissíveis da União Europeia e do Brasil. Também é preciso considerar que, na natureza, nem tudo passa da mesma forma. Ou seja, alguns compostos podem permanecer ativos por anos.

Dos 21 detectados no município, muitos tiveram gradativa redução de uso nos últimos anos ou nem são mais usados. Segundo o chefe do escritório local da Emater, engenheiro agrônomo Vicente Fin, alguns podem ser resquícios de utilizações feitas há 20 anos ou até 30 anos. “Os produtos atuais são menos agressivos, menos tóxicos, mas certos tipos podem ficar inseridos no solo durante anos e continuam se inserindo nos lençóis. Antigamente também não se cuidava das embalagens, que não tinham o devido descarte.”

Conforme Fin, entre os agrotóxicos que atualmente estariam em desuso, mas que apareceram nos testes em Venâncio Aires, está o Carbendazim (fungicida em hortaliças), o Carbofurano (inseticida usado em lavouras de arroz e tabaco), o Metamidofós (inseticida em milho, soja e tabaco) e o Profenofós (usado no tabaco).

O engenheiro agrônomo destaca ainda a Atrazina, herbicida usado no milho e que apareceu com concentração acima do limite considerado seguro no Brasil. “Precisamos considerar que muitas lavouras ficam próximas ao arroio Castelhano, em localidades como Linha Antão e Sapé, e em Monte Alverne, já em Santa Cruz.” Ainda segundo Fin, os agrotóxicos mais usados em Venâncio, hoje, são os herbicidas Clomazone (lavouras de tabaco) e o Simazine (lavouras de milho).

EXEMPLO

A engenheira química Juliane Pastorello Rubbo, que em seu Trabalho de Conclusão de Residência pela Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul analisou mais de 1.600 laudos laboratoriais de controle dos municípios gaúchos com Sistema de Abastecimento de Água em 2016, também mencionou a persistência dos agrotóxicos no meio ambiente.

Um exemplo disso, segundo ela, é o DDT. O inseticida foi muito usado no controle de insetos na agricultura e insetos portadores de doenças como a malária. No entanto, foi totalmente proibido no Brasil desde 2009. “Ainda assim é encontrado nas análises de água para consumo humano no estado, já que sua característica é a persistência no meio ambiente”, explica.

Em Venâncio, o composto apareceu, na combinação DDT+DDD+DDE, seis vezes em 13 testes.

A coleta de embalagens é feita mensalmente no interior de Venâncio Aires. A informação é do secretário municipal de Desenvolvimento Rural, André Kaufmann. Segundo ele, são as próprias empresas que fornecem os agrotóxicos que fazem o posterior recolhimento dos recipientes.

“Os riscos à saúde existem”, afirma médico

A pesquisa da Agência de Jornalismo Investigativo apontou que oito dos 21 agrotóxicos encontrados na água em Venâncio Aires estão associados a doenças crônicas como câncer, defeitos congênitos e distúrbios endócrinos. O médico Ben-Hur Moraes de Lima, afirma que os componentes químicos ingeridos através da água e alimentos afetam o organismo.
Lima esclarece que os agrotóxicos causam danos nos mecanismos de defesa celular e alterações nas atividades de telômeros – componente do DNA. “Além disso causam transtornos mentais, doenças pulmonares e com grande frequência de inflamação na via aérea. Os riscos à saúde existem. Quem, por exemplo, comer carne de peixe contaminada, será igualmente afetado. O veneno permanece no meio ambiente por mais de 100 anos.”

CONSCIENTIZAÇÃO

Em seu Trabalho de Conclusão de Residência pela Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul (Centro de Educação e Pesquisa em Saúde da Secretaria Estadual da Saúde), a engenheira química Juliane Pastorello Rubbo incluiu Venâncio Aires. A menção foi referente à Atrazina, já mencionada anteriormente. “O estudo confirmou que agrotóxicos chegam aos mananciais de abastecimento e às torneiras de nossas casas em doses extremamente pequenas, mas que podem afetar a saúde humana a longo prazo.”

Ainda segundo a pesquisadora, o “risco à saúde humana e ao meio ambiente existe, é real, e pode levar à morte dependendo do grau de intoxicação.” Por isso, Juliane ressalta que, mais do que remediar a contaminação da água, é necessário impedir que agrotóxicos cheguem aos mananciais. “Usar o mínimo necessário de agrotóxicos nas plantações através do uso de outras técnicas agrícolas, como Manejo Integrado de Pragas e Doenças, por exemplo, e orientação técnica com agrônomo ou técnico agrícola.”

Quem também destaca a conscientização é o coordenador da Vigilância Sanitária de Venâncio Aires, Everton Notti. “A consciência deve ocorrer desde a população urbana que aplica herbicidas em terrenos para evitar as capinas até a rural que faz uso para sua atividade econômica produtiva. Devemos trabalhar a conscientização, o controle e a regulação do comércio e uso de agrotóxicos.”

“Geralmente os agrotóxicos agem a nível celular, os danos a olho nu são imperceptíveis, fazendo com que as pessoas não se deem conta o quanto são maléficos os efeitos dessas drogas no seu organismo. Insisto que políticas públicas de saúde são a principal arma para prevenção.”
BEN- HUR MORAES DE LIMA
Médico Clínico Geral

Corsan e Vigilância garantem que água tratada é própria para o consumo

Os dados apresentados pela Agência de Jornalismo Investigativo mencionam que os 21 agrotóxicos foram detectados na água que abastece Venâncio Aires entre 2014 e 2017. No entanto, não dizem se as coletas ocorreram no arroio Castelhano, no rio Taquari, em poços ou direto de uma torneira.

Mas, segundo o coordenador da Vigilância Sanitária, Everton Notti, que tem relatórios similares, as análises foram em cima de água bruta coletada no Castelhano. Ou seja, antes do tratamento. Através de nota, Notti afirma que a sensibilidade das análises é grande. Assim, segundo ele, é possível determinar que há uso de um princípio ativo na região ou por onde percorre o leito do arroio, mesmo que em mínimas quantidades. Por fim, destacou que a Atrazina, na análise de 2016 e que foi detectada acima dos valores máximos permitidos, foi na água bruta. “Se pode afirmar que nossa água é própria para consumo.”

Quem também reforça esse ponto é o engenheiro químico da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan). Fabrício Pulgatti explica que a água é tratada e própria para o consumo humano. “São realizadas análises frequentes e, na água tratada, não encontramos indícios de agrotóxicos.” Pulgatti reforça ainda que o parâmetro de agrotóxico é listado em portaria do Ministério da Saúde e que não há resquícios na água já tratada que se aproximem do limite permitido por lei.

ANÁLISES

A análise sobre a presença ou não de agrotóxicos na água da região também é feita, gratuitamente, pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro. Segundo a responsável pela vigilância da qualidade da água para consumo humano da 13ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS), Elira Pereira Dias, para 2019 será analisada a situação de nove municípios na região.

Em Venâncio Aires, a última coleta foi recente e pode demorar alguns meses para ficar pronta. “Da análise já respondida, todos os índices ficaram abaixo do limite permissível, o que não é prejudicial à saúde”, destaca Elira. Em média, são analisados até 48 tipos de agrotóxicos.

Segundo a 13ª CRS, neste ano houve a notificação de dois casos de intoxicação por agrotóxicos em Venâncio: uma mulher de 29 anos e um homem de 67 anos. No entanto, foram situações de inalação, ou seja, não tiveram relação com água.

270 – foi o total de testes realizados na água de Venâncio entre 2014 e 2017, conforme dados de Controle do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano.



Débora Kist

Débora Kist

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em 2013. Trabalhou como produtora executiva e jornalista na Rádio Terra FM entre 2008 e 2017. Jornalista no jornal Folha do Mate desde 2018 e atualmente também integra a equipe do programa jornalístico Terra em Uma Hora, veiculado de segunda a sexta, das 12h às 13h, na Terra FM.

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