Arthur e o Noel
Arthur viu o Noel com os olhos do coração (Foto: Rosilene Müller Fotografias/ Divulgação)

Conheci Arthur por uma foto. Na imagem, uma mãozinha delicada e pequena toca a barba do Papai Noel. A primeira impressão que eu tive é de que ele estava fazendo o famoso teste para verificar se aquela barba realmente era de verdade. Tudo normal para uma criança curiosa e que está pronta para desvendar os segredos do Bom Velhinho.
Mas, faltava um detalhe nesta história. Eu não sabia que Arthur não enxergava e tinha travado uma luta contra um câncer nos olhos. Foi a Rosilene Müller, a fotógrafa, que me contou que ele é um dos pacientes assistidos pela Liga Feminina de Combate ao Câncer de Venâncio Aires.

No tradicional chá de Natal promovido pela entidade, no fim de novembro, Arthur viu o Noel “com os olhos do coração”. Foi assim que a mãe dele definiu esse momento repleto de significados. Pra ele e pra nós. Se para a maioria das pessoas essa figura símbolo do Natal é conhecida por um “padrão” trazido em filmes, comerciais e objetos de decoração, para Arthur o Noel não tem cor. Nada de roupas vermelhas, botas pretas e barba branca. Para Arthur, Noel é um homem bom e que distribui presentes. Para ele, o Noel não tem padrão, tem sentido. Isso é tudo.
Conheça, a seguir, a história de Arthur Gabriel Bandeira, de 5 anos. É neste universo, do toque e da audição apurada, que vive um menino que supera limites com alegria e determinação.

O diagnóstico de câncer nos olhos

Com um ano de idade, a família de Arthur recebeu uma notícia que mudaria a vida dele, e de alguma forma, de todos os familiares que estão ao seu redor. Ele era apenas um bebê quando veio o diagnóstico: câncer na retina dos olhos, conhecido como retinoblastoma. Com o câncer nos olhos, Arthur precisou travar uma batalha que envolveu crioterapia, laser, duas cirurgias e sessões de quimioterapia. “Quando ele tinha entre 8 e 9 meses de vida, percebemos que um olho estava ficando estrábico (desvio ocular) e ele estava se batendo nas coisas”, relembra a mãe Ana Paula da Silva, 39 anos.

Na época, Ana Paula levou o filho para uma consulta na Unidade Básica do bairro Santa Tecla, referência em oftalmologia pelo Sistema Único de Saúde. Dali, foram alguns processos, o que incluiu uma consulta com a oftalmologista Caroline Marquetto, que atende em Venâncio Aires, e foi essencial para encaminhar Arthur ao Hospital de Clínicas, na Capital gaúcha. A mãe lembra bem a data da consulta, em Porto Alegre. Em 2 de janeiro de 2019, a família teve a confirmação de que Arthur tinha câncer e sete dias depois daquela consulta ele já passou por uma cirurgia. “Não tinha outra opção, o caso dele já era considerado grave”, conta a mãe do menino, que acredita que ele já tenha nascido com a doença.
Com 1 ano e quatro meses, Arthur passou por um procedimento cirúrgico para remoção do globo ocular do olho esquerdo e, três meses depois, foi a vez da segunda cirurgia, no olho direito. Desde então, duas próteses oculares, popularmente conhecidas como “olho de vidro”, dão lugar aos olhos pretos do pequeno Arthur. Após o procedimento, Arthur também passou por quimioterapia e hoje é considerado curado, mas segue com acompanhamento médico, a cada quatro meses. “Ele está ótimo, sem nenhuma bactéria e não está tomando medicação neste momento”, comemora a mãe.
Foi neste mesmo ano das cirurgias, em 2019, que Arthur ingressou na lista de pacientes assistidos pela Liga. A intenção da mãe do menino, que se formou em Pedagogia no ano passado, é dar voz a mais informações e orientações sobre o câncer na retina e sugere ações com objetivo de alertar a sociedade sobre a importância da detecção precoce do retinoblastoma. Inclusive, lembra a mãe de Arthur, a data de 18 de setembro foi instituída como o dia nacional da conscientização da doença. “Eu não vejo muita divulgação sobre isso. Quanto antes iniciar o tratamento, melhor. Por tudo que já li e pesquisei sobre a doença, hoje acredito que ele já nasceu com o retinoblastoma”, diz a mãe.
Hoje, após todo esse processo, Arthur vive uma rotina de aprendizado constante. Tem facilidade de adaptação, adora música e tudo que emite sons. Também chama a atenção a ótima pronúncia das palavras. “Por ele ter passado por tudo isso, é porque há um propósito muito grande na vida dele. Ele é iluminado”, afirma Ana Paula.

• Atualmente, a Liga Feminina de Combate ao Câncer de Venâncio Aires assiste em torno de 200 pacientes. Deste total, quatro são crianças. Além de Arthur, de 5 anos, a Liga atende uma criança de 1 ano, também com câncer na retina; uma de 5 anos, com leucemia; e uma de 12 anos, com câncer no cérebro.

Sabia? O retinoblastoma é um tumor maligno originário das células da retina, que é a parte do olho responsável pela visão, afetando um ou ambos os olhos. A doença ocorre, geralmente, antes dos 5 anos de idade, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca).

Autonomia e afetividade, marcas do menino Arthur

Hoje, aos 5 anos, quem acompanha Arthur identifica um menino ativo e com muita habilidade para ir e vir de um lado para o outro da casa. A autonomia dele não é surpresa para a mãe, Ana Paula, e as irmãs Natália, 15 anos, e Naiara, 9 anos, que moram com o menino, no bairro Cidade Nova. Também tem o Todynho, o cachorro da família, que recebe muito carinho de Arthur.

Na escola de Educação Infantil Arco-Íris, onde ele frequentará o pré B em 2023, não é diferente. Na turma de 20 alunos, coordenada pela professora Cáthia Schu Siebeneichler, Arthur tem uma monitora para todas as atividades. Lisandra Michelle da Silveira é a profissional de apoio que acompanha Arthur desde 2021, quando ele começou a frequentar a escola. A jovem, de 28 anos, costuma dizer que é os olhos do Arthur na escola e não esconde seu encanto e orgulho pelo menino “No início pensei que seria um grande desafio, mas quando o conheci, logo me surpreendi e me encantei por ele. Arthur é um menino muito esperto, comunicativo e adorado por todos, principalmente pelos seus colegas, que estão sempre dispostos a ajudá-lo”, conta Lisandra.

Segundo a profissional, durante as atividades, Arthur participa com interesse e com muita autonomia. “Poucas vezes ele necessita do meu auxílio, pois faz questão de demonstrar a sua capacidade de realizá-las sozinho.”
O menino também frequenta, uma vez na semana, o Centro Integrado de Educação e Saúde (Cies) desde julho de 2021. No espaço, mantido pelas secretarias de Educação, Saúde e Desenvolvimento Social, Arthur participa de atividades pedagógicas que auxiliam na estimulação global. É de lá que o menino tem um alfabeto em braille emprestado para aprender um sistema que lhe acompanhará para o resto da vida.
A psicopedagoga e professora de Educação Especial, Priscila Oliveira, é quem faz o atendimento de Arthur e proporciona atividades adaptadas para as necessidades dele, como a discriminação tátil e habilidades para, futuramente, aprender a escrever e ler em braille. “É um menino que tem muita autonomia, é comunicativo, esperto e muito afetivo. Ele tem um potencial enorme e sempre quer aprender mais. Tenho certeza que ele terá muito sucesso na vida dele”, afirma a professora. No Cies, que atende crianças e jovens de 0 a 18 anos, Arthur é o único aluno com deficiência visual.
Segundo ela, o trabalho do Cies é garantir estimulação e maior acessibilidade ao Arthur, mas também prestar assessoria à escola que estuda e também à família dele. “A família também recebe instruções para que ela possa participar ativamente deste processo e dar continuidade às atividades, em casa”, explica.

“Arthur é uma criança que nos ensina a ver a vida de uma maneira diferente, pois mesmo sem ter o sentido da visão, nos faz enxergar que a vida não precisa somente de cores, mas principalmente o que nos move por dentro, e nos torna seres únicos e especiais. Sou grata por fazer parte da história desse menino tão encantador.”
LISANDRA MICHELLE DA SILVEIRA
Profissional de Apoio da Emei Arco-Íris

Impressões de repórter: Um contador de histórias

Assim que eu entrei no pátio da casa, Ana Paula, a mãe do Arthur, foi logo se adiantando: “Letícia, ele adora conversar, é um contador de histórias”. Aliás, essa foi a primeira anotação que fiz no meu bloquinho.
E não demorou muito para eu perceber isso. Sentei ao lado do pequeno para conversar, mas ele era quem queria se apresentar e saber mais sobre aquela convidada. Me perguntou o nome, onde eu trabalhava, tocou meu rosto e passou a mão suavemente no meu cabelo para saber se ele era curto ou longo. Pediu colo e queria atenção exclusiva para contar tudo que gostava de fazer. Aliás, parecia que nos conhecíamos há bastante tempo.
Menino serelepe, andava em todo pátio, entrava na casa e até subia o murinho da divisa do terreno com tanta autonomia, que não tinha como ficar boquiaberta. “Ele tem noção de todos os espaços da casa, se veste sozinho. A gente sempre buscou garantir autonomia para ele, sem tratar com diferença, deixando ele fazer o que deseja”, contou a mãe.
Durante a entrevista, Arthur fez questão de mostrar seus brinquedos, entre eles, o dinossauro que ele ganhou do Papai Noel no evento da Liga e o carrinho de plástico para que eu escutasse o barulho das rodinhas enquanto ele empurrava no chão de pedra.
Arthur também ama cantar e prosear, inclusive pediu para gravar um áudio para a Terra FM e cantou uma música gauchesca, um dos estilos favoritos. Ele também me falou das suas comidas favoritas: “Adoro carne de rês”, disse ele, que entre uma conversa e outra, foi sozinho até a geladeira, no interior da casa, buscar uma garrafinha de suco. O Noel não foi o tema principal da conversa, mas antes de ir embora, perguntei para ele sobre a barba do Bom Velhinho, que foi o início de toda essa história. Ele respondeu com toda graça e alegria: “A barba é muito grande e espetadinha”.

“Tenho certeza que ele terá um futuro grandioso. Já superamos tudo isso e sei que o propósito dele é grande. Tudo isso não foi em vão.”
ANA PAULA DA SILVA
Mãe do Arthur