Aulas práticas não serão mais obrigatórias (Foto: Alvaro Pegoraro)
Aulas práticas não serão mais obrigatórias (Foto: Alvaro Pegoraro)

Envolto em polêmicas e dúvidas, tramita o projeto de mudanças no processo de obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) proposta pelo Governo Federal e que tem como ponto central o fim da obrigatoriedade de frequentar aulas de autoescolas. Os exames teórico e prático seguirão sendo obrigatórios.

A justificativa central aponta para a redução dos custos para tirar o documento, atualmente em R$ 2,7 mil para novas habilitações A (motos) ou B (carros) no Rio Grande do Sul – A e B, juntas, está no valor de R$ 4,5 mil conforme o Detran RS. A estimativa aponta que os valores podem cair até 80%.

Segundo o ministro dos Transportes, Renan Filho, a proposta visa desburocratizar a legislação e facilitar a vida do cidadão. O titular da pasta afirma que o Governo Federal busca aumentar a formação de instrutores autônomos, para garantir um curso de formação de qualidade para quem optar por ele. “Ele [instrutor] vai poder dar aula no carro próprio ou do cidadão, podendo até carros alugados em parceria com as autoescolas, ou de familiares. Mas esse carro será sinalizado, com adesivos ou ímãs no momento da aula”, destaca.

Regras

Outra mudança significativa está ligada a definição de habilitação para carros de câmbios manual ou automático. Renan Filho diz que o cidadão poderá escolher se quer dirigir com câmbio manual ou não e se habilitar para esta modalidade. “As autoescolas vão continuar prestando serviço. Mas o cidadão vai ter outras alternativas para escolher. Isso vai melhorar a qualidade do serviço e, por consequência, melhorar o trânsito também, além de garantir a inclusão de muita gente”, completa.

Repercussão da mudança

Em entrevista ao programa Folha 105 – 1ª edição, o presidente do Conselho Estadual de Trânsito, Enio Bacci, alertou que o tema tem gerado preocupação para os especialistas em trânsito. Bacci explica que é preciso uma análise mais aprofundada sobre o assunto e não apenas utilizar como justificativa a redução nos valores cobrados.

Ele cita que a medida vai atingir diretamente jovens que estão buscando a primeira carteira de motorista, sendo que 40% das mortes no trânsito no Brasil são de pessoas de até 29 anos. “Qual é o risco de ‘jogarmos’ nas ruas motoristas menos preparados e que, consequentemente, poderão perder a própria vida ou tirar a vida de outras pessoas. O ensino é importante para que o motorista esteja consciente e preparado”, acrescentou.

O presidente do Conselho Estadual de Trânsito ainda elencou possibilidades para melhorar o aprendizado e reduzir custos, como a redução das aulas teóricas e aumento das práticas. “Precisa avaliar com muita cautela, pois a responsabilidade será grande”, completou.

Também durante o programa da Rádio Terra FM, o presidente do Sindicato dos Centro de Formação de Motoristas do RS, Vilnei Pinheiro Sessim, enfatizou que o assunto precisa de muito estudo para uma decisão. “O motorista ainda precisará estar pronta para a prova, sabendo como funciona o carro e as regras de trânsito. Ou vai ser reprovado, o que vai gerar custos financeiros também”, destacou.

Sessim acredita que a resolução pode gerar menos segurança no trânsito, pela falta de garantia de motoristas realmente qualificados e conhecedores das leis para trafegar pelas ruas. “É uma fragilização na formação, um retrocesso.”

Saiba mais

  • Na quinta-feira, 2, o Ministério dos Transportes abriu uma consulta pública sobre o tema. A minuta do projeto ficará disponível por 30 dias na plataforma Participa + Brasil e, durante esse período, qualquer cidadão poderá enviar sugestões e contribuições. Depois, o texto seguirá para análise do Conselho Nacional de Trânsito (Contran).
  • Ranking divulgado pelo Ministério dos Transportes em agosto deste ano apontou que o Rio Grande do Sul tem a CNH mais cara do país. Em média, para obter as categorias A e B, cada estudante gaúcho gasta R$ 4,9 mil. Mato Grosso do Sul (R$ 4,4 mil), Bahia (R$ 4,1 mil), Minas Gerais (R$ 3,96 mil) e Santa Catarina (R$ 3,9 mil) completam o top 5.

Tire dúvidas sobre a CNH

  • A obtenção da CNH será feita diretamente pelo site da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) ou pelo aplicativo Carteira Digital de Trânsito (CDT).
  • Caso a proposta seja aprovada, não será obrigatório frequentar os Centros de Formação de Condutores (CFCSs). O conteúdo teórico poderá ser estudado de forma presencial nos CFCs, por Ensino a Distância (EAD) em empresas credenciadas ou, em formato digital, oferecido pela própria Senatran.
  • O aluno não precisará cumprir um número mínimo de aulas práticas. Retirando, assim, a carga horária mínima de 20 horas-aula práticas. Ele poderá escolher como fará sua preparação: contratando um centro de formação de condutores ou um instrutor autônomo credenciado pelos Detrans.
  • A proposta também prevê a facilitação dos processos de obtenção da CNH para as categorias C (veículos de carga, como caminhões), D (transporte de passageiros, como ônibus) e E (carretas e veículos articulados) permitindo que os serviços sejam realizados pelas autoescolas ou por outras entidades.
  • Os CFCs continuarão oferecendo aulas, mas a exigência legal de carga horária mínima para aulas práticas será dispensada. Além disso, os centros de formação poderão ofertar seus cursos também na modalidade EAD.
  • Os instrutores autônomos deverão ser credenciados pelos Detrans. A Senatran permitirá a formação desses profissionais por cursos digitais. Os cursos para instrutores poderão ser feitos à distância, mas seguirão critérios rigorosos definidos pelos Detrans e pela Senatran, com conteúdos padronizados, avaliação final obrigatória e controle digital. Nenhum profissional poderá atuar sem credenciamento oficial e serão identificados digitalmente na Carteira Digital de Trânsito.

Fonte: Agência Brasil

Outros países

  • Na Argentina, por exemplo, não há exigência de autoescolas, mas é obrigatório um curso teórico nacional, online ou presencial. A prática pode ser aprendida de forma independente, desde que o candidato seja aprovado nos exames teórico e prático.
  • Os Estados Unidos permite treinar por conta própria para obter a habilitação. Cada estado define suas regras para emissão da carteira.
  • No Japão também é possível tirar a habilitação sem fazer curso em autoescolas credenciadas. O candidato pode optar pela prova direta.
  • Na Suécia, por exemplo, o treino privado é permitido com um superior aprovado.

CFC Central teme “precarização”

Diretora geral do Centro de Formação de Condutores (CFC) Central, de Venâncio Aires, Rosemeri Rafanhim, em entrevista à Rádio Terra FM, afirmou temer as mudanças propostas pelo Ministério dos Transportes. “A gente tem uma preocupação por causa dessa precarização. Isso vai dar mais conhecimento para as pessoas?”, questionou. Segundo ela, no sistema atual, um candidato é preparado de forma integral, com aulas teóricas, que envolvem legislação, direção defensiva, entre outros, além da parte prática. Como afirmou, trata-se de uma “precarização” do processo: “A gente fica preocupado porque não sabe quais vão ser os moldes. E nós estamos falando de vidas, então não tem preço”, alertou.

O procedimento atual é conduzido por instrutores que, além de preparados para a atividade, são monitorados para que haja garantia que a condução das aulas ocorra de forma adequada. “Hoje os instrutores todos são CLT. No momento da aula prática, eles são filmados, então isso evita assédio por parte de instrutores no carro, traz uma segurança que está sendo dada uma aula conforme consta no Código de Trânsito Brasileiro”, disse. A mesma segurança, na percepção da profissional, não seria observada com os instrutores autônomos – a profissão que seria criada em um cenário em que as aulas em autoescolas deixem de ser obrigatórias.

Juan Grings

Repórter

Atento aos principais fatos que impactam a comunidade, também é produtor de programas jornalísticos da Rádio Terra FM.

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Leonardo Pereira

Repórter

Acompanha as editorias de economia e cultura, com foco no desenvolvimento da comunidade e do município.

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