A Constituição Federal de 1988 consagrou a saúde como “direito de todos e dever do Estado”, instituindo, assim, o Sistema Único de Saúde (SUS). Criado em 22 de setembro, há exatos 30 anos, o SUS é considerada uma das maiores conquistas dos brasileiros. Mas o que pouca gente sabe, e isso inclui parte dos venâncio-airenses, é que a Capital Nacional do Chimarrão, até hoje, é considerada modelo de municipalização da saúde no Brasil.
A história da implantação do SUS passou por aqui, quando ainda em 1986 a palavra “universal” já era mencionada no setor da saúde e aplicada na prática. Assim conta José Eri de Medeiros, nome importante à época e que contribuiu para essas mudanças.
Um dos fundadores do Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e presidente do Instituto Brasileiro de Saúde, Ensino, Pesquisa e Extensão para o Desenvolvimento Humano (IBSAÚDE), Medeiros atuou na área da saúde da Prefeitura de Venâncio Aires no fim dos anos 1980 e início dos 1990, entre os governos Almedo Dettenborn e Glauco Scherer.
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Segundo ele, Venâncio foi pioneiro no Brasil no processo de municipalização da saúde. “Numa época sem recursos federais, mas graças a uma posição política atuante, independentemente de partidos, Venâncio virou uma referência. Até hoje, em qualquer discussão a nível nacional, conhecem a cidade por isso”, destaca.
O pioneirismo do município quando o assunto é modelo de gestão iniciou, segundo Medeiros, por um programa chamado Ações Integradas de Saúde. “Antes de o SUS existir, de fato, em 1986 todas as pessoas que precisavam de atendimento nas unidades de Venâncio eram recebidas. Naquele tempo havia certas exigências, como a pessoa ter a carteirinha do Inamps. Mas o Município não exigia nada, todos eram atendidos, seja da cidade ou do interior”, lembra.
Cidade e interior
Descentralizar a gestão da saúde também foi importante para o melhoramento da infraestrutura. José Eri de Medeiros lembra que na virada da década de 80 para 90 ocorreu a construção de três postos de saúde importantes ainda hoje para o município: os dos bairros Gressler e Santa Tecla e o de Linha Tangerinas.
“Os bairros eram quase só mato, mas houve participação da sociedade e do conselho municipal, e se entendeu que as unidades seriam importantes. Olha a relevância deles até hoje.” Em Linha Tangerinas, segundo Medeiros, a inauguração do posto teve até churrasco e contou com presença do então ministro da Saúde, Borges da Silveira, do governador Pedro Simon e do deputado Gleno Scherer.
O melhor caminho
Se a prática do atendimento universal já acontecia em Venâncio Aires desde 1986, foi a partir de 1992, através da Conferência Nacional da Saúde, que a municipalização virou um caminho sem volta em todo Brasil. “As discussões da Conferência foram importantes para que os municípios começassem a receber recursos da União. Isso só aconteceu a partir de 1998 e, antes disso tudo, era possível com recursos das próprias prefeituras e de convênios”, lembra Medeiros.
Ao fazer uma análise atual, o presidente do IBSAÚDE afirma que o SUS é o melhor sistema, por fazer parte da agenda da população e sua abrangência social. “Claro que há dificuldades, mas vale destacar que não houve retrocesso. No caso de Venâncio, desde que o SUS foi implementado, todos os gestores fizeram o possível mantê-lo e melhorá-lo. Melhorias no hospital, mais postos, UPA, Samu, isso também é SUS.”
Opinião de quem usa
A assistente comercial Grazieli Aparecida Pittol também tem 30 anos. Ela nasceu no Hospital São Sebastião Mártir sete meses antes da criação do SUS, em fevereiro de 1988. Mesmo que o sistema não tivesse uma implementação formal na época, a mãe Maria Aparecida Ribeiro, que até hoje mora em Linha Taquari Mirim, teve a gestação acompanhada no posto de saúde Central. No mesmo local, a filha também foi atendida pelos pediatras nos primeiros anos de vida. “Sempre conseguia ficha, pois tinha à disposição três médicos para atender. Após o parto, também sempre tive acompanhamento dos pediatras”, lembra Maria.
A filha dela, Grazieli, que nasceu em um período de transição no atendimento público, hoje também é usuária do sistema. “Já usei várias vezes e assim é com todo mundo, que algum momento vai precisar. Se quando eu nasci o discurso é que a saúde é para todos, o SUS se justifica e atende todo mundo, mas ainda falta eficiência”, pondera. A menção dela é sobre a fila de espera de alguns serviços e falta de médicos na urgência e emergência do hospital.
Os apontamentos de Grazieli também são alguns dos empecilhos destacados por quem administra o SUS, que ainda sofre com a falta de recursos para cumprir, de fato, ao que se propõe. A falta de dinheiro que emperra a maioria dos programas governamentais é enfrentada diariamente pelas prefeituras. Em Venâncio Aires, onde tudo começou, não é diferente.
Rede complexa de serviços e o desafio de gerir os recursos
Cerca de R$ 61,6 milhões devem ser investidos em saúde, em Venâncio Aires, ao longo deste ano. O orçamento do setor é o segundo maior do Município – atrás, apenas, do da Secretaria de Educação – e, na prática, significa que 22% do total de valores que circulam nos cofres públicos são aplicados em saúde. A destinação contempla desde serviços como as visitas domiciliares de agentes de saúde até cirurgias, consultas no Pronto Atendimento do Hospital São Sebastião Mártir (HSSM) e internações na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Para o secretário municipal de Saúde, Ramon Schwengber, apesar de, à primeira vista, o valor parecer alto, é preciso um verdadeiro malabarismo para garantir a manutenção de todos os serviços do SUS em Venâncio Aires. “É um valor baixo, se analisarmos toda a rede de saúde de Venâncio. A gestão desses recursos é o maior desafio. Mesmo com valores abaixo do necessário, repassados pela União, e com os atrasos em repasses do Estado, buscamos fazer o ‘dever de casa’ para não fechar nenhum serviço”, comenta, ao salientar a importância do trabalho da equipe da Secretaria de Saúde.
Schwengber observa que, apesar de ser um município de pouco mais de 71 mil pessoas, Venâncio Aires conta com uma rede de saúde proporcional ao de uma cidade de 100 mil habitantes, que abrange desde a atenção básica, como serviços dos postos de saúde, até de média e alta complexidades, como UTI, Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e Centros de Atenção Psicossocial (Caps).
Para não cortar serviços, o Município sempre vai bancando e buscando cada vez mais a gestão dos recursos. O SUS é o melhor sistema público de saúde do mundo, mas o financiamento precisa acompanhar.”
Ramon Schwengber, secretário municipal de Saúde
Segundo ele, a habilitação para serviços como esses leva em conta a população microrregional, dos municípios de Mato Leitão, Passo do Sobrado e Vale Verde, que também são contemplados com os atendimentos. Na visão do secretário, a consolidação e os avanços do Sistema Único de Saúde, com novos programas, ao longo das três décadas, foram acompanhados de um aumento na procura dos atendimentos. Ele atenta para o fato de que o SUS é universal e, independentemente da renda, muitas pessoas utilizam os serviços, especialmente na área de urgência e emergência. “É um sistema que não se restringe a um determinado público. Está à disposição de todos.”
Teto MAC
Com gestão plena da saúde, a Secretaria Municipal de Saúde administra todos os recursos destinados à área, em Venâncio Aires, os quais passam pelo Fundo Municipal de Saúde. Em junho, o Município conquistou aumento no recurso mensal da União para serviços de Média e Alta Complexidade (MAC) – o chamado teto MAC. A majoração era uma demanda de cerca de dez anos e garantiu um aporte de R$ 1,2 milhão a mais, por ano, para suprir um déficit comprovado nas contas.
SUS em Venâncio Aires
– Postos de saúde: sete Estratégias Saúde da Família (ESFs) e 12 Unidades Básicas de Saúde (UBSs).- Centro de Atenção a Doenças Infectocontagiosas (Cadi).- Rede de saúde mental com Caps II, Álcool e Drogas (AD) e Infantil. – Pronto atendimento, internações e cirurgias no Hospital São Sebastião Mártir (HSSM). – Unidade de Pronto Atendimento (UPA).- Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) de suporte básico e avançado. – Atendimentos de equipe domiciliar.- Atendimentos de fisioterapia e psicologia com profissionais terceirizados.- Agentes comunitários de saúde.- Transporte sanitário de pacientes, para atendimentos ou transferência hospitalar, e vans que levam pacientes a outras cidades.- Centro Integrado de Educação e Saúde (Cies).- Exames laboratoriais e de imagem.- Vigilância Epidemiológica.- Vigilância Sanitária.- Farmácia Municipal.