“Num mundo onde a multiplicidade de estímulos digitais parece atrair mais atenção do que as páginas dos livros, proponho uma aventura através da ancestral arte de ouvir histórias.” É desta forma que a contadora de histórias Joana Potira Heinen, 33 anos, apresenta a proposta de seu projeto em Venâncio Aires.

Potira, como é conhecida, voltou recentemente à cidade natal depois de uma temporada de quatro meses na Índia. Ela traz uma proposta de disseminação da literatura nas escolas da Capital do Chimarrão. O projeto é uma comemoração de 10 anos em que o ato de contar histórias passou de apenas uma atividade em casa para profissão. “Antes eu já contava, mas era informal. Todos os contadores que eu conheço tiveram um início parecido, contando para filhos de amigos, de primos”, diz.

O projeto As Mil e Uma Histórias oferece às escolas uma sessão pocket gratuita de 30 minutos de duração com até 30 crianças. Além disso, Potira montou um plano com orçamentos para sessões individuais, temáticas e pacotes mensais com preços acessíveis para escolas interessadas. “A minha ideia é ajudar a formar leitores e acredito que na infância é que podemos instigar e mostrar as infinidades de possibilidades na literatura”.

Escolas interessadas podem entrar em contato até dia 10 de março por meio do e-mail [email protected] para fazer a solicitação da visita. O projeto vai contemplar uma sessão gratuita por escola. Potira ressalta que educandários do interior também podem ser contemplados, desde que a instituição disponibilize o transporte de ida e volta. “Já recebi o contato de algumas escolas e estou organizando os horários para poder contemplar todas”, comenta.

Foto: Carlos Dickow / Folha do Mate Contadora de histórias lançou projeto para comemorar 10 anos de contação de histórias
Contadora de histórias lançou projeto para comemorar 10 anos de contação de histórias

A TÉCNICAPotira ressalta que é importante manter um ritual para contar histórias. Faz parte da preparação escolher uma história, conhecer o público, as idades das pessoas, os interesses, entre outros. “Contação não é leitura de livro para criança nem teatro, usamos elementos da dramatização e vamos além. Principais teóricos dizem que a contação é a narrativa, é a performance”, explica. Livros, instrumentos musicais e fantoches fazem parte das histórias contadas por Potira. Alguns materiais foram confeccionados por ela, inclusive. “É legal usar material para contar histórias para crianças pequenas e bebês. Uso chapéu, alguns objetos que ganhei e eu mesma faço alguns materiais”.

Uma das incentivadoras de Potira é a bibliotecária Rosaria Costa, responsável pela Biblioteca Pública Caá Yari, de Venâncio. “Eu brinco que ela é a dona chefa fada madrinha, ela é maravilhosa e me deu muitas dicas”, conta. Foi por meio da amiga que Potira começou a trabalhar com a contação de histórias para formar leitores. Segundo ela, a contação de histórias pode ter várias intenções – promoção de livros e evento para marcar alguma data específica, por exemplo -, mas o intuito de formar leitores é o que vem estudando e se aperfeiçoando. “A contação de histórias pode quebrar estereótipos racistas. Tu pode trazer uma princesa indiana, africana ou japonesa, desconstrói essa ideia de que princesa é linda, loira e de olhos azuis”, defende.

Foto: Carlos Dickow / Folha do MatePotira fez uma boneca de pano indiana para contar histórias do país que conheceu
Potira fez uma boneca de pano indiana para contar histórias do país que conheceu

Potira também afirma que a atividade pode não ter um propósito, mas também pode falar sobre problemas da sociedade de uma forma mais leve. “Eu uso a contação de histórias para falar sobre temas que eu acho importante. Eu desconstruo o machismo nas minhas histórias, por exemplo”, completa.

AVENTURA NA ÍNDIANo ano passado, Potira passou uma temporada de quatro meses na Índia. Ela diz que a viagem era uma vontade antiga, já que pesquisa história e literatura oriental. O objetivo principal foi conhecer como se conta histórias no país. No período em que ela esteve na Índia, acontecia a Kochi-Muziris Biennale, a maior Bienal da Ásia. “Eu tive a oportunidade de conversar com muitos artistas, ilustradores de livro infantil e estudantes, foi muito produtivo”, lembra.

Em um espaço para crianças, um dos grupos participantes do evento era de contadores de histórias de Bangalore, capital e maior cidade do estado indiano de Karnataka. “Eles usavam música para contar histórias. Passei vários dias com eles, pude acompanhar os espetáculos, trocar ideias e livros. Foi muito legal”, recorda.

“Todo mundo pode ser contador de histórias. Mesmo sem falar, é possível contar uma história por meio de gestos, de performances, de expressões. Uma história pode ser contada com desenhos, com fantoches ou até com um objeto que você encontrou na cozinha.”JOANA POTIRA HEINENContadora de histórias

Magia que vem de casaÉ numa casa em formato de castelo, em Linha Cerro dos Bois, que Potira guarda seu acervo de livros. A casa é o recanto do interior dos pais, Nestor e Eva Heinen, ambos de 64 anos.

Foi na família que a contadora de histórias teve o primeiro estímulo com a leitura. A mãe, que é professora, estabeleceu ainda na infância a ‘hora da leitura’ em casa. Potira, a mãe e a irmã, Luzia, hoje com 31 anos, utilizavam o tempo para os livros. Já o pai, lia jornal. “É meia hora, é mais para ritual. Mas tinha aquele tempo para parar e ler”, destaca.

Potira cursou magistério no Colégio Nossa Senhora Aparecida, licenciatura em História na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e, agora, está em formação do bacharelado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Antes da viagem à Índia, ela residia em Porto Alegre e vinha para Venâncio Aires em fins de semana e feriados ou para participar de alguma programação cultural. Agora, fixou residência – pelo menos pelos próximos seis meses – na Capital do Chimarrão.

CONSIDERAÇÕES1 Contação de histórias não é ler um livro, nem uma peça de teatro. 2 É uma narrativa oral que cativa, instiga, faz rir e pensar, estimula a curiosidade e o prazer de ler. 3 A intenção é aguçar a imaginação e a criatividade. 4 Cada contador tem seu estilo e pode ou não usar recursos além da sua voz e expressão corporal para criar a magia da narrativa. 5 É uma ferramenta de conexão de pessoas e circulação de ideias além das práticas de ensino/aprendizagem.