O cinema europeu não costuma ser consumido no Brasil. São raros os filmes que por aqui fazem sucesso e os alemães, com certeza, não estão entre os favoritos. Mas um em especial, lançado em 2013 pelo diretor Edgar Reitz, mereceria ser assistido pelos descendentes de alemães que vieram para o Rio Grande do Sul no século XIX.
Trata-se do filme Die Andere Heimat, ou em português literal, A Outra Pátria, que recebeu o Prêmio Alemão de Cinema em 2014. Em resumo, o tema é a imigração dos moradores da região de Hunsrück (no estado alemão da Renânia-Palatinado) para o Brasil, nos anos 1800.
Se você é um descendente, esse roteiro provavelmente lhe pareceu familiar e saiba que, quase dois séculos depois, parte disso se repetiu, nesta semana, no interior de Venâncio Aires. Foi com a visita de estudantes alemães, interessados nessa ‘outra pátria’ quase esquecida, que um encontro muito bacana aconteceu, em Centro Linha Brasil, uma das localidades mais antigas do município e uma das primeiras a receber imigrantes. Se há quase 160 anos as famílias Bencke, Nagel e Christmann se estabeleceram e abriram as primeiras picadas, em 2019 a ‘exploração’ coube a 12 estudantes curiosos com a cultura local.
MOTIVAÇÕES
Enquanto no filme Die Andere Heimat um jovem do meio rural de Hunsrück sonha em emigrar para começar uma nova vida, em meio à fome e devastação da sua terra natal, as motivações desses estudantes alemães do século XXI são acadêmicas.
Ao todo, 12 alunos e dois professores da Universidade Católica de Eichstätt, no estado da Baviera, passaram por Venâncio Aires entre a quarta, 27, e sexta, 29. O grupo veio acompanhado de quatro brasileiros, estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O intercâmbio é de cursos relacionados à linguística e veio atrás de mais subsídios para um projeto de pesquisa chamado Atlas Linguístico-Contatual das Minorias Alemãs na Bacia do Prata (ALMA).
Na prática, os alunos realizam excursões por Argentina, Paraguai e nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, no Brasil, onde a língua alemã ainda é preservada. “Visitamos comunidades e entrevistamos moradores, tanto grupos mais velhos quanto crianças, para vermos como e quanto a língua alemã se mantém”, explica Gerônimo Bergmann, aluno de Letras/Alemão da UFRGS.
A alemã Carina Redel, que estuda as línguas portuguesa e espanhola no seu doutorado em Eichstätt, fala bem português porque já estudou em Goiânia e passou por Blumenau, Santa Catarina. Ainda assim, ela não escondeu a curiosidade que a localidade do interior de Venâncio Aires lhe causou. “É diferente e até engraçado, que do outro lado do oceano, no sul do Brasil, a gente conheça pessoas ‘próximas’ de nós e se sinta um pouco em casa.”
Além de Centro Linha Brasil, o grupo visitou, na área urbana, a Prefeitura de Venâncio Aires, o Museu e a Igreja São Sebastião Mártir.
PROJETO ALMA
O Atlas Linguístico-Contatual das Minorias Alemãs na Bacia do Prata (ALMA) é um macroprojeto desenvolvido em conjunto pelas áreas de Romanística (da Universidade de Eichstätt) e Germanística (do Instituto de Letras da UFRGS).
O projeto reúne diferentes variedades do alemão com metodologia e dados comparáveis que possam, futuramente, ser reunidos em um estudo comum, que permita descrever a variação da língua alemã falada por populações imigrantes na área central da Bacia do Prata.
Em Centro Linha Brasil, as entrevistas foram realizadas na casa do comerciante Elói Klamt. Além dele, também foram ouvidas as professoras aposentadas Clécia Bencke Jantsch e Renata Bencke, onde falaram do alemão que aprenderam em casa.
No Rio Grande do Sul, além de Venâncio Aires, o grupo tem no roteiro visitas previstas em Porto Alegre, Pelotas, Agudo, Imigrante e Westfália.
Descobrindo um passado esquecido
Um dos momentos que mais chamou atenção dos estudantes alemães foi conhecer o cemitério e a igreja evangélica de Centro Linha Brasil. A maioria não escondeu a surpresa de ver tantos nomes e palavras em alemão, seja nas lápides ou no monumento da igreja. “Tem tanta coisa relacionada, coisas diferentes. Pouca gente sabe disso na Alemanha, eu mesma sabia pouco. Ouvir crianças falando, é muito diferente isso”, destacou Maike Seifert, que está no mestrado de Eichstätt, e fala um pouco de português.
O brasileiro Lucas Löff Machado, que mora na Alemanha para seu doutorado, reiterou a surpresa dos colegas. “Os alemães ainda associam o Brasil à muita natureza e Carnaval. E quando o assunto é emigração, pensam no pós Segunda Guerra. Isso que atestaram aqui, era praticamente ignorado. Mas que bom resgatar essa história de uma outra pátria, descobrir que tem uma outra terra natal.”