Não é para qualquer um adquirir a condição de unanimidade no local onde vive ou trabalha. Mas em certas comunidades, onde todos convivem e se conhecem bem, isso fica mais fácil de constatar.
Assim é em Centro Linha Brasil, interior de Venâncio Aires, onde o técnico em Enfermagem Clênio Ricardo Strassburger, 43 anos, virou centro de uma mobilização nos últimos dias. Isso porque a Prefeitura está perto de contratar oito enfermeiros para atuar em unidades de saúde, atendendo a uma determinação judicial com ganho de causa para o Conselho Regional de Enfermagem (Coren-RS). Na prática, naqueles locais onde há apenas técnicos trabalhando, eles serão substituídos por enfermeiros.
Com a possibilidade de substituição de Clênio, moradores e pacientes lamentam o fato. Tanto, que uma mobilização foi iniciada com o intuito de fazer com que o profissional fique. “Ele é a mão direita de todo mundo. O problema não é vir outro profissional, mas queremos que o Clênio não saia”, afirmou a agricultora Adriane Metz, 42 anos. Ela é uma das pessoas que ‘puxaram a frente’ dessa mobilização, que já reúne, inclusive, um abaixo-assinado com mais de duas mil assinaturas.
A opinião de Adriene é a mesma do aposentado Oscar Schweikart, 65 anos. Morador de Linha Isabel, uma das localidades que usam os serviços do posto em Centro Linha Brasil, ele procurou a unidade ontem para se vacinar contra a gripe. “Pode vir outro, mas o Clênio precisa ficar. Ele não tem dia, não tem hora, não tem lugar onde ele não vai. Temos vizinhos que não têm como sair de casa e o Clênio vai lá, de noite, para cuidar deles.”
“Me emociona esse reconhecimento”
Talvez nem o próprio Clênio tivesse noção, há 15 anos, quando começou a trabalhar no posto de Centro Linha Brasil, da importância que seu trabalho significaria para a comunidade. Mas além disso, o vínculo com a localidade foi além do profissional.
Natural de São Pedro do Sul, ele trabalhava no Hospital de Monte Alverne, em Santa Cruz, quando começou a atuar no interior de Venâncio Aires, após passar em concurso público. Logo, a relação com Centro Linha Brasil virou coisa pessoal também. Sua esposa, Marilene é natural de lá. Atualmente, ele mora com ela, o filho Lucas, 3 anos, e o enteado Gean, de 12, ao lado do posto. Compraram, há cerca de um ano, o prédio que foi o primeiro posto da localidade e farmácia, e a transformaram em casa. A área da residência, aliás, está ligada ao posto.
“Quando fiquei sabendo dessa informação, perdi o chão. Fiquei chateado, soube pela imprensa. Reunião mesmo tivemos dias depois. Entendo que é uma determinação superior e que a Prefeitura vai ter que cumprir. Mas eu não gostaria de sair daqui”, revela Clênio.
O técnico em Enfermagem disse ainda que se surpreendeu com o carinho e reconhecimento que vem recebendo. “Me emociona isso, essa bandeira que o pessoal levantou por mim. É um orgulho e tenho certeza que fazer o bem, faz bem.”
Esse referência é sobre o trabalho fora de hora que Clênio faz. A bordo da moto CG dele e custeando a gasolina do próprio bolso, percorre localidades e residências, à noite, para atender pessoas que não têm como sair de casa. Injeções, troca de curativos, testes de glicose e verificação de pressão integram esse atendimento voluntário. “Tem gente que diz que sou bobo, mas o meu trabalho também é servir as pessoas, ajudar quem precisa. E como escolhi essa localidade para viver, ter a minha família, o meu lar, como não vou ajudar?”
ZELO
É Clênio quem abre e fecha o posto de saúde, de segunda à sexta, às 7h30min e às 17h30min. Além dele, atuam lá uma servente e um dentista, duas vezes por semana. Há cerca de um mês, o local espera pela reposição de um médico, que atenderá três vezes por semana.
O técnico em Enfermagem também ajuda na limpeza, na organização dos medicamentos, nos pedidos e na logística, já que geralmente os busca. Zeloso, Clênio conta que também faz a pintura e manutenção do prédio e até poda as árvores. “É minha casa também. Se tiver que sair, vai ser uma tristeza para mim. Mas já decidi: se eu for remanejado para a cidade, continuarei morando aqui.”
TRABALHO
1 O posto de saúde de Centro Linha Brasil foi construído em 1996. Atualmente, são quase 3,7 mil pacientes cadastrados, que vêm de localidades como Linha Brasil, Linha Isabel, Arroio Grande, Esperança, Saraiva, Linha Antão e Marechal Floriano.
2 É neste posto que funciona o maior grupo de saúde da região – 350 cadastrados. Com encontros mensais e palestras, o também chamado ‘grupo dos hipertensos’ verifica peso, altura e pressão arterial dos participantes. Quando Clênio começou no posto, eram apenas 17 pessoas.
2 Outro projeto ‘incrementado’ pelo profissional é um de ‘escovação em escolas’, no qual são fornecidas informações e produtos como creme e fio dental para cerca de 280 alunos de três educandários, além da visitação do dentista que atende no posto.
“Temos uma proposta para a comunidade”
Por Carlos Dickow
O prefeito Giovane Wickert disse ontem que quer ir pessoalmente falar com a comunidade de Centro Linha Brasil a respeito da questão envolvendo Clênio Ricardo Strassburger. “Temos uma proposta para a comunidade. O profissional tem férias vencidas para tirar e vamos levar uma sugestão que acredito que agradará a todos”, comentou. No entanto, Wickert remarcou para quinta-feira, 16, a agenda inicialmente prevista para hoje. “Estou indo a Brasília nesta terça e, quando retornar, quero ir com o secretário Ramon Schwengber, da Saúde, até lá”, reforçou.
Mesmo com a informação do prefeito, a comunidade prevê para hoje, às 19h, uma reunião na Suib, com moradores atendidos nos posto.
O chefe do Executivo voltou a esclarecer que a mudança não está sendo feita por vontade da Administração, mas em razão de uma ação civil pública ajuizada pelo Conselho Regional de Enfermagem (Coren-RS), que cobra o cumprimento de um enfermeiro em cada posto de saúde. “Para atender a esta exigência, vamos gastar recursos que poderiam ser empregados em obras, mas é uma determinação judicial. Como Venâncio Aires tem oito postos de saúde no interior, teremos que disponibilizar um enfermeiro para cada unidade. Temos que fazer isso para não fecharmos os postos, como vem ocorrendo em vários outros município”, argumentou.
“Acho que a comunidade vai gostar da proposta que temos, pois entendo que vai ficar bom para todo mundo. Temos que fazer as coisas dentro da legalidade, sob pena de futuramente sofrermos apontamentos.”
GIOVANE WICKERT
Prefeito de Venâncio Aires