Mais do que a origem, eles têm em comum uma virtude: coragem. Foi necessário deixar o medo e a insegurança de lado para sair do país natal, sem saber o que os esperava do outro lado do oceano. Mesmo desconhecidos até então, em Venâncio Aires, juntos, buscam por conhecimento – motivo que os levou a deixar o Haiti e vir para o Brasil.
Foi na Escola Municipal de Ensino Fundamental Dois Irmãos, no bairro Aviação, que o grupo de 12 haitianos foi acolhido e estuda na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA) com a intenção de aprender mais a língua portuguesa.
Um dos alunos é Richard Guerlin, 27 anos. Ele mora em Venâncio Aires há 2 anos e 9 meses. O haitiano veio ao Brasil com a intenção de cursar o ensino superior. “Eu tinha um amigo aqui, por isso vim direto para Venâncio”, afirma. Richard mora sozinho do bairro Gressler e trabalha como montador na Metalúrgica Venâncio. No Haiti, deixou os pais e os irmãos e agora lida com a saudade. “Meu sonho é fazer minha faculdade no Brasil”, destaca. Ele conta que o pai gastou muito dinheiro para cursar o ensino superior no Haiti, o que fez com que ele viesse ao Brasil em busca de oportunidades melhores.
Foi Richard quem ‘recrutou’ os demais estudantes para estudar. Ele foi até a escola ainda no ano passado se informar com o intuito de ingressar no educandário. Em conversa com vizinhos e conhecidos, outros haitianos procuraram a escola.
Sonho de estudar que também trouxe ao Brasil a única mulher da turma, Nadia Toussaint, 29 anos. Ela trabalhava como auxiliar de consultório médico no Haiti. Aqui, atua como passadeira na Schmidt & Guterres Confecções. Tímida, ela diz que quando chegou trabalhou como safreira na CTA Continental. No Haiti, deixou os pais e o irmão. Nadia lida com a saudade e com a esperança de atingir seus objetivos.
APOIO
Segundo a vice-diretora da escola Dois Irmãos, Adriana Kroth, 190 alunos estão matriculados na modalidade EJA atualmente na escola. Destes, duas turmas são das totalidades 1 e 2, que correspondem até o 5º ano do Ensino Fundamental, que abrange os haitianos. A professora ressalta que é uma experiência gratificante trabalhar com estudantes da modalidade. “Cada aluno é único e procuro atender as suas particularidades de cada um, pois temos adolescentes com 15 anos e adultos com até 62 anos”, afirma.
“São alunos com histórias de vida muito significativas e que procuram a escola em busca de uma realização pessoal e profissional. Merecem, como todos os nossos alunos, nossa atenção, respeito e incentivo para que concluam seus estudos.”
ADRIANA KROTH
Vice-diretora da Escola Dois Irmãos
190
estudantes estão matriculados no EJA na Escola Dois Irmãos neste ano.
“Ninguém sabe do amanhã, mas por enquanto quero ficar em Venâncio”
A ideia da vinda de Jean Raymond Jean Pierre, 27 anos, foi da mãe. Ele chegou ao Brasil em setembro de 2016. “Minha mãe não tem condições de pagar estudos no Haiti, é muito caro, por isso vim para o Brasil”, diz. Ele foi direto para Lajeado, onde tinha um amigo. Devido a dificuldade de colocação no mercado de trabalho, Jean veio até Venâncio Aires, onde começou a trabalhar na CTA na safra de 2017. Com o fim do período de trabalho, seguiu em busca de novas oportunidades.
Foi na Schmidt & Guterres que começou a atuar como alfaiate, profissão que aprendeu sozinho, ainda no Haiti. O irmão fez curso de costura e incentivou Jean a aprender a prática também. “Eu pedia para ele fechar alguma roupa para mim e ele dizia que a máquina estava ali, era só tentar”, comenta. Jean agora dá valor a insistência do irmão.
Desde que chegou, ele guarda dinheiro para poder trazer um outro irmão para Venâncio Aires. “Se tudo der certo ele vem em junho”, conta, empolgado. O estudo, segundo ele, ficou de lado por precisar trabalhar para custear as despesas diárias para se manter no município. Agora, na EJA, encontrou uma forma de começar a traçar os objetivos previstos por ele e pela mãe. “Era isso que eu procurava faz tempo”, afirma.
Jean diz que foi também em Venâncio que adquiriu habilidade para falar português. “Antes eu só ouvia na televisão e procurava nos livros, aqui tenho amigos brasileiros para praticar”, relata.
SAUDADE
Jean destaca que é difícil lidar com a saudade, mas que a despedida seria inevitável de qualquer forma. “Um dia minha mãe me deixaria, ou então eu deixaria ela. De qualquer jeito eu ia ter que fazer minha vida”, declara. Sobre Venâncio, diz gostar da cidade e querer ficar aqui. Perguntado sobre o que gosta de comer, o haitiano se mostrou um pouco gaúcho. “Eu gosto de churrasco!”, completa.