Por Letícia Wacholz
Venâncio Aires é um dos municípios gaúchos que mais devem sentir os efeitos da taxação dos Estados Unidos. A tarifa de 50% sobre produtos brasileiros está prevista para entrar em vigor na sexta-feira, 1º de agosto. Segundo o Instituto Fecomércio-RS de Pesquisa (IFEP), a medida pode provocar efeitos significativos em toda a cadeia econômica local e regional, da indústria exportadora ao comércio varejista e de serviços.
Como um dos principais polos de produção de tabaco do país, Venâncio foi o sexto maior exportador do Rio Grande do Sul para o mercado norte-americano em 2024. No total, foram R$ 594,9 milhões – valor bruto – em produtos enviados aos Estados Unidos, especialmente tabaco processado. No topo do ranking de maiores exportadores para os EUA estão, na ordem, São Leopoldo, Canoas, Guaíba, Santa Cruz do Sul e Caxias do Sul.
Na análise do Valor Agregado Bruto (VAB) – que desconsidera impostos e subsídios – os negócios de Venâncio com os norte-americanos representaram 16,53% no ano passado, indicador que coloca o município na quinta posição no ranking de maiores exportadores gaúchos para o país comandado por Donald Trump. “As exportações de tabaco para os EUA possuem um peso muito grande na geração de renda e, considerando o tipo de produto, com uma cadeia produtiva curta, é razoável supor que a maior parte dos impactos realmente estarão concentrados na região. Com isso, o consumo e as vendas do comércio de bens e serviços da localidade podem ser impactados”, destaca o presidente do Sistema Fecomércio-RS/Sesc/Senac e IFEP, Luiz Carlos Bohn.
Efeito cascata
Conforme o estudo, a região de Santa Cruz do Sul é, proporcionalmente, a região do estado mais vulnerável à tarifa, com as exportações aos EUA representando mais de 7% de seu PIB. “O Rio Grande do Sul é um Estado historicamente exportador, e medidas como essa têm potencial para gerar efeitos em cascata sobre a nossa economia, especialmente em municípios fortemente dependentes do mercado externo. O impacto não se limita às empresas exportadoras, mas se estende ao comércio local, ao consumo das famílias e à geração de renda nas regiões afetadas”, observa Bohn. “Além disso, uma eventual reciprocidade por parte do Brasil pode encarecer insumos e dificultar ainda mais a retomada da competitividade produtiva”, sinaliza.
Com a proximidade do início da vigência da tarifa, lideranças econômicas e políticas buscam alternativas para mitigar os impactos. No entanto, a realocação de mercados e adaptação da cadeia produtiva não deve ocorrer no curto prazo.
Regiões mais vulneráveis
De acordo com o IFEP, 21 municípios gaúchos possuem mais de 5% do PIB atrelado às exportações para os Estados Unidos. O Rio Grande do Sul, como um todo, exportou R$ 10,13 bilhões ao mercado norte-americano em 2024, o que representa cerca de 9,1% do total exportado pelo estado.
Conforme a Fecomércio, junto com Santa Cruz do Sul, regiões de cidades como Montenegro, Novo Hamburgo, São Leopoldo, Bento Gonçalves, Nova Prata, Guaporé e Lajeado completam a lista das que mais devem sofrer, refletindo a dependência de setores exportadores específicos, como celulose e papel, metal, couro e calçados, tabaco e máquinas.
Saiba mais
O estudo mostra que as regiões de Porto Alegre, Novo Hamburgo, São Leopoldo, Santa Cruz do Sul e Caxias do Sul juntas concentram dois terços das exportações gaúchas para o mercado norte-americano. Contudo, diferentemente das demais, a Capital tem impacto reduzido, tendo em vista o menor peso dessas exportações sobre seu PIB.
Importações
Embora o Rio Grande do Sul importe relativamente poucos bens de consumo diretamente dos EUA – apenas 0,83% das importações totais em 2024 – a imposição de tarifas de reciprocidade pode encarecer produtos intermediários e insumos industriais essenciais. Os três grupos mais importados são bens intermediários, combustíveis e lubrificantes e bens de capital. O item mais importado pelo Estado é a nafta para a indústria petroquímica, seguido por óleos brutos de petróleo, adubos, eletrônicos veiculares e maquinários. Dessa forma, mesmo com impacto direto reduzido no varejo, setores como o atacado e os serviços podem ser afetados indiretamente, especialmente em razão da alta de preços de combustíveis e equipamentos.
Entidades locais defendem diálogo, mas já preveem impactos e cogitam novos mercados
Por Alan Faleiro
Representantes de entidades econômicas ouvidos pela Folha do Mate demonstram apreensão com os possíveis impactos das tarifas impostas pelos EUA na economia local e regional. A expectativa ainda é por um diálogo, porém, diante da incerteza e da possível manutenção da medida, os impactos já estão sendo avaliados, e a diversificação de mercados surge como uma alternativa.
Vice-presidente da Indústria na Câmara de Comércio, Indústria e Serviços de Venâncio Aires (Caciva), Fabiana Bergamaschi, explica que os impactos não vão atingir só as empresas que exportam, mas também várias outras cadeias produtivas, porque muitas dependem umas das outras para insumos e matérias-primas. “Vai impactar, direta e indiretamente, todas as empresas e todas as cadeias produtivas”, diz.
Ela afirma que a expectativa ainda é por avanços nas negociações, e que isso seja conduzido com bom senso, e menciona que a busca por novos mercados pode ser uma alternativa. Contudo, ressalta que a adaptação não é imediata: “Algumas empresas têm trabalhado para ampliar seus mercados, mas essa ampliação não acontece do dia para a noite. Muitos produtos são projetados e certificados para mercados específicos. Por isso, não é fácil transferir a participação na demanda e no faturamento rapidamente”.
Setor do tabaco
Representante de um dos setores que devem ser mais impactados, o presidente do Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (SindiTabaco), Valmor Thesing, também aguarda por uma saída diplomática. No entanto, já considera a busca por novos mercados caso a tarifa não seja revertida.
“Se mantida, possivelmente, o Brasil não será mais competitivo para o mercado norte-americano. Agora, se olharmos por outra ótica, há uma demanda mundial muito grande de tabaco, e é muito provável que o produto seja remanejado para outros destinos”, ressalta.
Em texto enviado à imprensa, a assessoria da entidade cita pesquisa da Deloitte divulgada recentemente que projeta um crescimento nas exportações brasileiras de tabaco em 2025, com aumento entre 10,1% e 15% tanto em volume quanto em valor. Para Thesing, o cenário reforça a confiança de que os impactos da tarifa poderão ser absorvidos por meio da diversificação dos mercados de destino.
ALÉM DA INDÚSTRIA
Há também a preocupação de que os reflexos da tarifa se estendam para além da indústria e impactem o comércio varejista. Presidente do Sindilojas Vale do Rio Pardo, Mauro Spode, destaca que a região tem forte vocação exportadora e é natural que um impacto na indústria se reflita em toda a cadeia econômica, reduza renda e, mais adiante, o consumo local.
“Embora o varejo não exporte diretamente, ele depende do movimento gerado pela indústria e pelos produtores. Se o setor produtivo desacelera, o comércio sente na mesma proporção, porque as famílias tendem a consumir menos.” Por isso, Spode espera por um desfecho equilibrado, que evite uma guerra tarifária prolongada.
“Nosso setor acredita no diálogo entre os governos e na busca por novos mercados, mas reconhece que isso não se resolve da noite para o dia. É um momento que exige calma e planejamento, para que possamos manter a economia local ativa e minimizar os impactos sobre o dia a dia da população”, defende.
Em meio ao impasse, Lula sanciona Programa Acredita Exportação
Para desonerar e ampliar exportações de Micro e Pequenas Empresas (MPEs), o presidente Lula sancionou ontem, 28, o projeto de lei Complementar nº 167/2024, que cria o Programa Acredita Exportação. A iniciativa tem como foco ampliar a base exportadora de MPEs por meio da devolução de tributos federais pagos ao longo da cadeia produtiva de bens industriais destinados à exportação.
Na prática, a medida antecipa efeitos da reforma tributária. Conforme divulgado pelo governo, a partir de 1º de agosto, as MPEs podem receber o equivalente a 3% de suas receitas com vendas externas, por meio de compensação com tributos federais ou de ressarcimento direto. A medida é válida até 2027, quando entra em vigor a nova Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), prevista na reforma tributária.