Videolocadoras, até quando?

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Foi no inverno de 1998 que as videolocadoras de Venâncio Aires receberam inúmeras reservas para o então ‘arrasa-quarteirão’ dos cinemas Titanic (1997). Quem viveu aquela época lembra da dificuldade que foi conseguir locar as duas fitas VHS do filme. Vencedor de 11 prêmios Oscar e com o ainda novato Leonardo DiCaprio no papel principal, Titanic virou sonho de consumo para qualquer cinéfilo. Assim o foi, também, para esta repórter, no auge da 5ª série.

Mas lembrar das fitas em locadoras para assistir Titanic contrasta completamente com a realidade atual. Não porque as pessoas não procuram mais por bons filmes, mas porque o lugar de procura mudou. Antes popular e ‘às pencas’, as videolocadoras viraram coisa rara, resistentes à pirataria e aos tempos de Sky e Netflix. Ao mesmo tempo, ainda há clientes fiéis e que não abrem mão da passada semanal na locadora. Em Venâncio Aires, apenas quatro seguem abertas.

Mirilin e a filha Érica, cinéfilas e clientes assíduas de locadora (Foto: Rosilene Müller)

De mãe para filha

Em algum momento, foram entre 25 e 30 estabelecimentos no município que locavam fitas e DVDs. Talvez um pouco mais, ou um pouco menos, mas se você tem em torno de 30 anos e boa memória, vai se aproximar disso. Umas delas foi a Imperial, localizada na rua Barão do Triunfo, no centro da cidade. Foi nela que Marilin Lopes, 39 anos, pegou seu primeiro filme em locadora.

Isso aconteceu em 1991, quando tinha 12 anos e locou Difícil de Matar (1990). “Um filme com violência, adulto, mas a gente olhava”, lembra, entre risos, a assistente financeira de uma ervateira. Marilin assistiu a então estrela dos filmes de ação, Steven Seagal, em um videocassete Mitsubishi, comprado pelo irmão mais velho, que já trabalhava. “Em 1994 ele casou e levou o vídeo para a casa nova. Então minha mãe comprou um do Paraguai, da marca Broksonic.”

A assistente financeira é um exemplo de cliente fiel e que vai até quatro vezes por semana na locadora. Sky ela até tem em casa, mas Netflix não se interessa. “Gosto mesmo dos lançamentos. E é muito bom ir na locadora, um lugar já familiarizado, pra tomar um chimarrão com amigos.”

A genética apaixonada por filmes (frequenta cinema, aliás), seguiu adiante e a filha, Érica, também adora uma locadora. Em novembro, a menina completou 12 anos e sempre respeitosa à faixa etária indicativa, descobriu que poderia assistir a Titanic. “Tive que determinar uma retirada por mês. Se eu deixasse, olhava toda semana.” Desde o início do ano, Érica já locou o filme 11 vezes, sem falar nas pesquisas e estudos sobre o naufrágio mais famoso do mundo.

Mas a própria Marilin reconhece que também precisa se ‘controlar’. Desde que o elogiado Nasce uma estrela (2018) chegou na locadora, ela já retirou cinco vezes. “Também tenho meus favoritos.”

Maria Lúcia tem a locadora há 24 anos (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Exemplos de resistência

A queda de mais de 80% no número de videolocadoras em Venâncio Aires vem ocorrendo de forma gradativa. O que ajuda a explicar esse declínio brusco foi a pirataria, já facilitada pela transição do VHS ao DVD. Depois, a internet e a ascensão da Netflix, por exemplo.

Mas a plataforma de streaming não é vista como vilã ou o ‘golpe de misericórdia’ por donos de locadoras. “Faz parte, com o avanço da tecnologia isso era previsível. Mas a gente também precisa se adaptar”, conta a empresária Maria Lúcia da Silveira, 61 anos.

Ela mantém uma locadora há 24 anos no bairro Gressler, que abriu logo depois de sonhar com o pai Osvaldo, falecido em janeiro de 1995. “O pai sabia que eu queria um negócio mais familiar, agradável para receber pessoas. E no meu sonho ele disse: locadora. Acordei com aquela ideia na cabeça e estamos aí, até hoje”, lembra.

Para ‘contornar’ a concorrência, não mais de locadoras, mas da internet, Lúcia mantém, junto à locadora, uma perfumaria. “Quem vem comprar perfume, às vezes leva filme e vice-versa. E é um ponto conhecido, tem muitos amigos que vem aqui pra conversar, tomar um chimarrão, então seguimos assim.”

Josiane administra duas videolocadoras (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

NÚMEROS

1 Em 1995, Maria Lúcia começou com 252 fitas VHS e hoje mantém cerca de seis mil DVDs. No cadastro da locadora, são cinco mil clientes, mas apenas 100 continuam ativos e frequentadores assíduos.

2 Números semelhantes fazem parte da rotina de Josiane Ribeiro, 31 anos, proprietária de duas locadoras, uma no centro e outra no bairro Aviação. Para quem desde os 17 anos trabalha no ramo, ela conta que os estabelecimentos são sua fonte de renda. “Mas investir nisso, não recomendo. Nos mantemos porque as pessoas querem os lançamentos, e isso, muitas vezes, demora até na internet.”

3 Josiane diz ainda que muito depende do local que se está e o público. “Moradores de bairros, entre 30 e 50 anos, principalmente, são os que mais vem.” Mesmo para poucos, as videolocadoras dela ainda abrem de segunda a segunda.

Juliano e a filha Jordana, em frente à videolocadora Rex, em 1997 (Foto: Arquivo pessoal)

Saudades de um tempo que não volta mais

Se até aqui foi possível se sentir nostálgico, também é assim que fica Juliano Rex, 47 anos, quando lembra da videolocadora que teve, entre 1996 e 2003. “Sempre gostei de olhar filmes e era um sonho ter uma locadora. Uma coisa levou a outra”, explica.

Para quem já fechou há mais de 15 anos, Rex lembra que, na época, mesmo a concorrência com outros estabelecimentos, a procura era muito boa. “Começou a complicar com a chegada dos DVDs e, principalmente, com a inadimplência. Acredito que hoje tem muitas pessoas que gostam de ir até a locadora escolher seu filme, mas manter uma nos dias de hoje não acho viável.”

No início dos anos 2000, Juliano Rex também começou a trabalhar no funcionalismo público e ainda ficava até à noite na locadora e fins de semana. De segunda a segunda, os horários começaram a ‘apertar’ e veio a decisão pelo encerramento, em 2003. Apesar de tudo, ele não nega que foram ‘bons tempos’. “Tenho saudades. Saudades do ambiente da locadora, de olhar tanto filme para recomendar para os clientes, que já sabiam a hora do chimarrão e do café. Era muito bom.”

Hoje quase raridades, as videolocadoras são nostalgia para muitas gerações. Mas quem frequentou uma lá no seu início sabe que viver novamente não dá e ‘voltar atrás’ é coisa de filme: só cabe na hora de rebobinar uma fita que, até quando rasgava, o Durex era suficiente para seguir em frente.



Débora Kist

Débora Kist

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em 2013. Trabalhou como produtora executiva e jornalista na Rádio Terra FM entre 2008 e 2017. Jornalista no jornal Folha do Mate desde 2018 e atualmente também integra a equipe do programa jornalístico Terra em Uma Hora, veiculado de segunda a sexta, das 12h às 13h, na Terra FM.

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