A síndrome da classe econômica

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Estou vendo um cardápio de dar água na boca e não resisto à tentação de compartilhá-lo com meus leitores. Se você está lendo esta coluna antes do almoço, seu apetite dobrará de tamanho. Imagine camarões à baiana, bobó de camarão, medalhões de lagosta com molho de manteiga queimada. (Lagosta, você sabe, é um fruto do mar muito caro: se você pedir um prato desses num dos raros restaurantes que o servem, prepare-se para desembolsar uns 250 reais por pessoa.).

Mas prossigamos com o nosso sofisticado menu. Delicie-se pensando num bacalhau à Gomes de Sá, uma frigideira de siri, moquecas (capixaba e baiana), arroz de pato, vitela assada, codornas assadas, carré de cordeiro, medalhões de filé com molho de mostarda, pimenta e castanha de caju com gengibre.

Claro que tanto refinamento culinário exige que as bebidas tenham uma harmonização perfeita. Os vinhos tintos, por exemplo, tem de ser da uva Tannat, ou de mistura de uvas (“assemblage”, como dizem os franceses), e devem ter ganhado pelo menos quatro premiações internacionais. Além disso, devem ter sido envelhecidos em barril de carvalho francês ou americano por um período mínimo de doze meses. Já os aperitivos devem ter um padrão à altura de caipirinhas com cachaças envelhecidas em barris de madeira nobre por um a três anos. E uísques com menos de 12 anos não serão servidos; o ideal é que tenham 15 ou 18 anos de envelhecimento.

Agora, leitores, quero ver se vocês adivinham onde todas essas delícias serão servidas. Será no palácio de Buckingham da rainha da Inglaterra? Talvez nos palácios reais dos Emirados Árabes? Ou quem sabe esses ingredientes finos fazem parte de uma prova internacional do ‘reality show’ Master Chef?

Nada disso. Posso afirmar que esse cardápio é brasileiro e está cabendo no seu bolso, meu caro leitor. Sim, esta lista maravilhosa de alimentos está dessa forma descrita num documento oficial, numa licitação através de pregão eletrônico do STF – Supremo Tribunal Federal – para “serviços de fornecimento de refeições institucionais”. O serviço se refere à contratação de um fornecedor de refeições que serão servidas pela Corte conforme as suas necessidades. Ou seja, suas excelências e seus apuradíssimos paladares estarão se repimpando às nossas custas. Por favor, controle os palavrões aí na sua casa!

Sem muito espaço para os merecidos comentários, resta-me informar que ficarei ausente por três semanas deste jornal e do país. Tirarei férias num lugar onde não existem mordomias alimentares, onde autoridades não moram de graça, onde primeiros-ministros andam de ônibus e metrô, cozinham eles próprios o seu jantar e passam a ferro as próprias camisas. Não, não estou viajando para alguma republiqueta paupérrima que não possa oferecer regalias. Estarei visitando os países mais desenvolvidos da Europa que disputam as primeiras colocações em educação, qualidade de vida e corrupção quase zero.

Viajo às próprias custas, é claro. Assim, receio que jamais terei como companheiros de fileira no avião nenhum ministro do Supremo, que relaxam o corpo à vontade na primeira classe ou na executiva que lhes pagamos. Estando já numa ‘certa idade’, vou tomar umas aspirinas para afinar o sangue e evitar a “Síndrome da Classe Econômica” provocada por coágulos que podem se formar nas pernas, devido às muitas horas de imobilização nos espaços cada vez menores dos aviões. Esses coágulos podem se desprender e viajar pelo corpo causando perigosas embolias. Risco que as autoridades brasileiras, democraticamente, não correm!

Até a volta!



Cassiane Rodrigues

Cassiane Rodrigues

Jornalista formada pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), atua com foco nas editorias de geral, conteúdos publicitários e cadernos especiais. Locutora da Rádio Terra FM, tem participação nos programas Terra Bom Dia, Folha 105 1° edição e Terra em Uma Hora.

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