Foto: Divulgação / Folha do MateA tradição gaúcha passa pelas mãos de Paixão Côrtes
A tradição gaúcha passa pelas mãos de Paixão Côrtes

João Carlos D’Avila Paixão Côrtes, hoje completa 89 anos. Para ele tiramos o nosso chapéu!

O menino de Santana do Livramento, nasceu no dia 12 de julho de 1927. é um folclorista, compositor, radialista e Pesquisador Gaúcho, de formação – Agrônomo. A tradição gaúcha se confunde com vida deste gaúcho que é referência para todas as gerações.

 

“Ao preencher os espaços vagos no áLBUM NOSSO BEBê, comprado havia meses na Livraria A Predilecta em Bagé, Dona Maria Fátima D”ávila Paixão caprichou na caligrafia. Na página da dedicatória, chamou o marido, que assinou Julio Paixão Côrtes no lugar destinado ao papai. Com carinho e cuidado, a mãe registrou os dados na página sobre o nascimento: às três da madrugada do dia 12 de julho de 1927, na casa número 101 da Rua Rivadávia Corrêa, nasceu em Santana do Livramento uma criança do sexo masculino, pesando quatro quilos e medindo 59 centímetros

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Entre os casacos, mantilhas e sapatinhos tricotados, estavam também a certeza de uma infância feliz e a paixão que começou desde guri. Na esquina da Rivadávia com a Rua Uruguai, entre a casa dos pais e a dos avós maternos, o menino João Carlos ouvia todos afirmarem: foi bem aqui que o argentino José Hernández, depois dos entreveros da Guerra do Paraguai, começou a declamar os primeiros versos do célebre Martim Fierro. Nada melhor para um moleque curioso, que um dia entregaria a vida à pesquisa da cultura popular

Os pátios das duas casas – imensos – eram interligados. Em torno do poço, os jardins e a horta com abóboras, alfaces, couves, repolhos, nabos, beterrabas e cenouras. Mais adiante, o pomar com laranjas, pêssegos, uvas, bergamotas, limas, abacates. Tão grandes eram os pátios que o pai, técnico de ovinocultura da Secretaria da Agricultura, trazia cordeirinhos quando voltava das viagens de inspeção. Eram os bichos de estimação do guri que, adulto, enveredaria pela mesma profissão e se tornaria expert na classificação de ovinos.

Está no sangue, qualquer ávila gosta de tocar um instrumento, cantar e dançar. Tem sido assim desde os primeiros que vieram do condado de ávila, em Portugal. O avô, João Pedro Rodrigues ávila, alto, moreno, bigodudo, tirava da gaita de oito baixos rancheiras e polquinhas de limpar banco. Foi repassando para o neto o gosto pelos ritmos e pelas coreografias das danças campeiras. E o piá herdou ainda a predileção por bigodes imensos, que se tornariam uma característica.

Bem que João Carlos tentou. Foi, durante dois anos, aluno assíduo e esforçado nas aulas de piano da Dona Mosquita. Aprendeu a ler partituras e a aprimorar o ouvido, lições que aproveitaria para sempre, mas desistiu de ser pianista. Nas festas dos ávilas, passou a cantar e dançar. E o interesse pelas indumentárias pode ter nascido numa fusão cultural só possível no Carnaval: quando tinha cinco anos, usou pela primeira vez pilchas gaúchas. E lá se foi ele para o baile infantil de chiripá, lenço, bombacha, bota e chapéu virado na testa. Se tivesse na mão um laço não seria o esboço inicial de uma estátua?

O gosto pelos detalhes, pequenos requintes da vida doméstica e as manifestações culturais do povo rio-grandense, tudo com o jeito artístico dos Avilas, vem junto desde a Rua Rivadávia Corrêa. Baixinha, delicada, a avó espalhava aromas de essências pela casa. Habilidoso, o avô sentava na frente de casa para esculpir palitos. Espalhava na calçada pedacinhos de sarandi bem maleável e, com faca afiadíssima, moldava centenas de palitos. Os prontos iam para caixas de chá da índia. Não havia visita que não saísse com uma caixinha de presente.

Quem é ávila tem olhos vivos, contornados por olheiras. De tanto querer ver tudo. Movido por essa paixão, o guri de Livramento se mudou para Uruguaiana, onde foi escoteiro e craque de basquete. Quando estava mais taludo, veio de muda para a Capital, como aluno do internato do IPA. E aquele pimpolho do álbum Nosso Bebê um dia virou modelo de monumento, esculpido por Antonio Caringi. Adulto, chegou a 1m82cm. Mas a escultura de bronze inaugurada em 20 de setembro de 1958 na porta norte de Porto Alegre tem 4m45cm de altura, pesa 3,8 toneladas e está sobre um pedestal de granito de 2m10cm. De bom tamanho para quem nasceu com quatro quilos e 59cm.

O pai agrônomo e mãe dotada de boas qualidades musicais, Paixão Côrtes parece ter sintetizado essas duas marcas – formou-se em Agronomia também, e é artista também, não do canto mas da dança – e ao mesmo tempo parece haver ultrapassado os limites do que se poderia esperar de alguém com sua história. Por quê? Porque ele é um dos sujeitos diretamente responsáveis pelo nascimento da atual voga gauchesca. “Um dos” é muito pouco: Paixão Côrtes é o formulador e animador decisivo do movimento tradicionalista gaúcho juntamente com Luiz Carlos Barbosa Lessa (In Memorian) e Glauco Saraiva.

Ex-aluno do Colégio União quando seu pai era diretor da Estação Experimental de Uruguaiana, foi ele que carinhosamente deu o apelido para o Colégio União de Baio Velho. Também estudou no Instituto Porto Alegre e no Colégio Estadual Júlio de Castilhos.A estrada foi longa e cheia de percalços. Começa, talvez, na vivência campeira. Segue na experiência de peão, desempenhada todas as férias, em contraponto com a vida escolar urbana em Santana, Uruguaiana e Porto Alegre, sucessivamente. Continua, quem sabe, na dura passagem em que perde o pai e precisa trocar o colégio privado pelo público, o diurno pelo noturno, a vida relativamente inconseqüente pelo trabalho.

Deslancha, a partir de 1947, quando se junta com amigos igualmente interioranos e saudosos da vida agauchada (entre os quais Lessa) e com eles literalmente inventa uma tradição: a de fazer vigília de um fogo tirado à Pira da Pátria, que arderá dali por diante pela imaginária, afetuosa, desejada “pátria” sul-rio-grandense.

Paixão Côrtes e Barbosa Lessa partem para a pesquisa de campo, para recuperar traços de cultura popular local eventualmente sobreviventes à avalancha da cultura norte-americana, quer dizer, estadunidense, que, vitoriosa na II Guerra, cobrou um preço alto das neocolônias. Paixão e Lessa, expressando ativamente o mal-estar do momento, partiram para a ação, viajando pelo Interior para salvar o passado da intensa voragem novidadeira. Estava sendo gestado o lado cultural-popular do tradicionalismo, antes mesmo de a palavra “folclore” entrar no discurso de todo mundo.

Paixão Côrtes não se limitou a isso. Serviu de modelo para a estátua do Laçador e foi garoto-propaganda televisivo, nos primórdios do veículo, vestido à gaúcha quando isso era ainda uma esquisitice.Em 1948, organizou e fundou o CTG 35 e, em 1953, fundou o pioneiro Conjunto Folclórico Tropeiros da Tradição.

– 1956, Inezita Barroso gravou as músicas tradicionais gaúchas Chimarrita-balão, Balaio, Maçanico e Quero-Mana, Tirana do Lenço, Rilo, Xote Sete Voltas, Xote Inglês, Xote Carreirinha, Havaneira Marcada, recolhidas por Paixão Cortes e Barbosa Lessa.

– 1958, Paixão Côrtes apresentou-se no Olympia de Paris, no palco da Universidade de Sorbonne, no Hotel de Ville, no Teatro Alhambra, além de clubes noturnos e cabarés. No mesmo ano foi convidado por Maurício Sirotsky para apresentar o programa Festança na querência na Rádio Gaúcha, que ficou no ar até 1967.

– 1962, Inezita Barroso gravou as composições Tatu e Pezinho, recolhidas por Paixão Côrtes e Barbosa Lessa. No mesmo ano, recebeu o prêmio de Melhor Realização Folclórica Nacional.

– 1964, apresentou-se na Alemanha, na Feira Mundial de Transportes e Comunicação, na cidade de Munique. Recebeu ainda, no mesmo ano, o prêmio de Melhor Cantor Masculino de Folclore do Brasil.

– 1986, apresentou-se durante um mês na Inglaterra, divulgando traduções de seus livros para o inglês.

– 1992, a estátua do Laçador, do escultor Antônio Caringi, para a qual Paixão Cortes posou em 1954, foi escolhida como símbolo dacidade de Porto Alegre.

– 2001 proferiu palestra sobre a música gaúcha no VII Encontro Nacional de Pesquisadores da MPB, realizado no Teatro daUniversidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

– 2003 lançou seu novo manual, com mais danças, derivadas do primeiro. Por exemplo, Valsa da mão trocada, Mazurca Marcada, Mazurca Galopeada, Sarna, Grachaim.

– 2009 foi nomeado cônsul cultural do Sport Club Internacional, pois, Paixão Côrtes tem sua história de vida intimamente ligada ao clube pois seu pai foi jogador do Clube nos primeiros anos de sua fundação e posteriormente seus tios tambem foram jogadores, em destaque o primeiro goleador do Inter Belarmino Carlos Leal D’ávila.

– 2010 é escolhido patrono da 56ª Feira do Livro de Porto Alegre. Recebeu também a Ordem do Mérito Cultural.

Como Agrônomo Paixão Côrtes foi responsável pela abertura de mercado da ovinocultura no Rio Grande do Sul. Foi ele quem trouxe da Europa novos métodos e tecnologias de tosquia, desossa e gastronomia, além de incentivar o consumo de carne ovina.Começou a trabalhar na Secretaria da Agricultura aos 17 anos como classificador de lã. Em 40 anos de serviço, passou pelas Estações Experimentais de Pelotas, Santana do Livramento e nos Campos de Cima da Serra e em Porto Alegre, também como professor dos cursos de classificação de lã, ovinotecnista e, por fim, chefe do Serviço de Ovinotecnia.

– Formado em 1949, em Agronomia, na UFRGS, Paixão Côrtes desenvolveu na Secretaria da Agricultura o trabalho de extensão no interior do Estado. Segundo ele, o fato de ser folclorista e “falar a mesma língua do homem do campo” facilitou a comunicação e a implantação de novas tecnologias.”

 

(Das escritas de Carlos Urbim – Jornalista. Carlos Urbim foi um jornalista e escritor de livros infantojuvenis brasileiro. Nasceu na fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai. Mudou-se para Porto Alegre aos 19 anos e formou-se em Jornalismo na UFRGS. Faleceu em 13 de fevereiro de 2015)