Cores e sons se misturam às coreografias de ‘entradas e saídas’ no Encontro de Arte e Tradição Gaúcha (Enart). O que para alguns dançarinos exige o máximo de habilidade ao executar os passos e equilíbrio para manter-se nas alturas das alegorias contextuais, para outros tudo é arte e poesia – vividas com intensidade.
Entretanto, para dois dançarinos do Centro de Tradições Gaúchas (CTG) Bento Gonçalves de Santa Maria – este sentimento se multiplica – ultrapassa os limites e emociona um ginásio superlotado. A cor do vestido das prendas eles não exergam, o palco? este eles sentem com firmeza, a partir de seus bastões. Sim. Tiago Zambrano e Daverlan Dalla Lana não têm a visão. Mas isto não os impediu de viverem a emoção ao participar da 31ª edição do festival.
Enquanto os olhos da plateia fixam-se em cada movimento executado pelos dançarinos, no ‘palco sagrado do Enart’, como os tradicionalistas costumam chamar, o grupo levou ao festival como tema de entrada uma história verídica de inclusão social.
Tiago Zambrano, com 40% de visão e Daverlan Dalla Lana, que teve deslocamento de retina, aos oito anos, participaram da coreografia de ‘Entrada’ no 31º Enart. “Amor, dança e superação”.. são as três palavras destacadas no contexto histórico.
Com responsabilidade técnica de André Kirchhol, Marcia Couto, Rodrigo Gil e Ana Morcéli; figurino de Luciano Santos e Casas Jacob, a entidade foi fundada em 10 de abril de 1982. Tem como atual patrão Cláudio Francisco Pereira da Rosa, e 1ª Prenda Juliane Cardozo Rigão, responsável pela apresentação da invernada no festival
Tiago desde a infância participava do Movimento Tradicionalista Gaúcho. “O tablado era sua segunda casa e seu ápice como dançarino foi realizado nos palcos do Enart”. Conta a história que ao escutar as palmas e ver o público o emocionava. Mas o destino lhe foi traiçoeiro e roubou-lhe um dos seus dons maiores… a visão.
“Tudo foi preciso reaprender e superar a cada dia os obstáculos, acreditando que ainda era possível ser realizado e feliz. Agora mais do que nunca o som se tornou seu guia. A precisão do sapateado agora lhe ajuda a perceber outros movimentos. A repetição das danças, agora, colabora para reencontrar uma nova rotina de passos….Então foi preciso aprender a ver com os olhos do coração e perceber que há muita luz na escuridão. Agora guiado pelo som ele tem a oportunidade de estar, novamente, em Santa Cruz no tablado do Enart. A sequência o fazem acertar o passo, o som e o compasso.”
André [um dos responsáveis técnicos] embarcado na temática do grupo, ao levar todos os dias seus filhos à escola, viu uma pessoa que poderia lhes dar a verdadeira resposta ao que gostaríam de apresentar. Aproximando-se dele fez-lhe a pergunta: “o que o som significa na sua vida?. Daverlan não tinha experiência com a dança e foi convidado a entrar no CTG Bento Gonçalves. “Ele se apaixonou-se pelo ritmo do grupo. [..]Agora um grupo todo se deixa guiar pelo som, pelo coração…”
Os dois personagens proporcionaram ao grupo superar os problemas e acreditar na vida. “Vazio de imagens que os olhos não vêem, mas a música é mágica e nos mostra além…”, contextualiza a temática. E acrescenta que eles foram os responsáveis para que o grupo acreditasse nos seus sonhos e lhes ensinaram a ver que tudo é possível, mesmo com problemas ou a´te mesmo na escuridão.