Na luta contra o contágio do Coronavírus aqui do outro lado do oceano estamos aos poucos aprendendo a mudar nosso dia a dia. O velho mundo vive hoje sob um regime fechado. Estamos isolados. Todos os dias somos bombardeados com informações sobre o desenvolvimento da pandemia, sobre o efeito devastador na economia e o número crescente de mortes principalmente na camada mais velha da população. Os europeus, tão habituados à liberdade de ir e vir, à segurança e à educação, estão impedidos de sair de casa. Não podemos conviver com amigos e família, não podemos viver nossa vida normal.
Roubaram-nos um dos bens mais preciosos: a liberdade de movimentação, na tentativa de garantir nosso outro bem maior – a vida! De volta à Inglaterra, onde a situação de casos positivos e mortes pelo Covid-19 se agrava a cada dia, estamos nos acostumando ao isolamento social. Os ingleses são conhecidos pelo seu jeito de ser mais reservado mas nesta semana percebi que não será fácil esta nova vida.
Enquanto a maioria dos países europeus entrou em isolamento total (lockdown em inglês) o governo britânico continua a optar por medidas menos autoritárias adotando orientação oficial ao invés de decretos. Ou seja, a população continua a sair mas respeitando a distância entre um e outro. No papel parece uma ótima ideia, mas na prática é bem mais difícil de ser implementada. Em geral todos estão aderindo a nova ideia e as cidades estão vazias. A orientação do governo britânico é direcionada a toda população, no entanto os idosos, acima de 70 anos, correm o maior risco de complicações de saúde ao serem infectados pelo vírus.
Aqui na terra da Rainha todos as pessoas acima de 70 anos devem se isolar durante doze semanas e somente sair de casa para o essencial. Imagina num país onde os velhinhos já sofrem de solidão e onde casas geriátricas se espalham em cada canto, agora clama para que idosos se isolem ainda mais. É difícil, mas necessário para salvar estas vidas frágeis. Para ajudar a população a se adaptar à nova vida o governo publicou uma enciclopédia de medidas, muitas já implementadas e tantas outras por vir de acordo com o desenvolvimento da pandemia aqui na Inglaterra. A corrida ao supermercado continua.
Ninguém entende o porquê, pois toda a rede de supermercados garante que não faltará comida para ninguém, nem papel higiênico que parece desaparecer das prateleiras instantaneamente. Grande ou pequeno, os mercados se esvaziam rapidamente. Vivemos um tempo sem precedentes na história. A crise do Covid-19 está sendo comparada à Segunda Guerra Mundial. E talvez por isso os ingleses estejam estocando tudo que conseguem. Nesta semana fui à tardinha num hipermercado da rede Sainsbury, uma das maiores no Reino Unido, e fui surpreendida com todas as gôndolas de frutas e verduras vazias. O mercado inteiro estava vazio e os clientes pareciam perdidos e atônitos como se estivessem assistindo a um filme de terror. Quando perguntei a um dos gerentes sobre o que estava acontecendo ele simplesmente sacudiu a cabeça e disse – “panic buying, absolutely no reason for it”- (compras motivadas pelo pânico, sem razão alguma).
A fim de garantir a segurança das pessoas mais velhas a maioria dos supermercados adotou horário especial para eles – duas horas pela manhã- para fazerem as compras com tranquilidade. Nesta semana o governo anunciou o fechamento de todas escolas a partir de ontem, sexta–feira. Restando apenas mais um trimestre no ano letivo britânico
o fechamento significa, na verdade, o final do ano para os estudantes britânicos pois dificilmente os educandários reabrirão antes do verão europeu. A exceção fica por conta dos filhos do pessoal médico, enfermeiras e trabalhadores do Sistema Nacional da Saúde, assistentes sociais e motoristas, que poderão continuar a ir na escola para que os pais possam trabalhar durante a crise.
O Coronavírus tem impacto em todas as esferas da sociedade. Para os estudantes que estão terminando o 11º ano significa encerrar o ano sem prestar os exames nacionais de GCSEs, que formam um degrau importante no progresso escolar. A pior situação fica por conta dos alunos no último ano do Ensino Médio e que não poderão prestar as provas nacionais de A Level que são fundamentais para o ingresso na faculdade. Infelizmente, nosso filho Patrick está nesta situação, assim como milhares de outros estudantes entre 17 e 18 anos em todo Reino Unido.
A qualificação de A Level é o reconhecimento nacional a todos alunos que concluem o ensino médio. Os conceitos obtidos nas provas determinam a vaga na faculdade. A classe 2001-2002 não prestará exames e os conceitos usados serão um acúmulo de notas alcançadas durante os dois últimos anos. Nesta semana foi triste ver a turma do Patrick se despedir sem ter conseguido viver aquele momento ímpar, de triunfo, de alívio, depois de ter prestado as provas de A Level que acontecem geralmente no mês de junho. A maioria passou os últimos cinco anos estudando e crescendo juntos no colégio em regime de internato e não poderão comemorar a conquista de ter chegado ao fim da vida escolar.
Depois das férias de Páscoa que se prolongam até dia 20 de abril nas instituições particulares, os alunos do Colégio Stowe onde nossos filhos estudam terão aulas
on-line. O horário será mais curto mas os professores estarão online
e passarão o conteúdo através de conferência por vídeo, cada aluno acessando na sua própria casa. Nesta semana os alunos tiveram algumas aulas online, mesmo estando na escola, para testar o modelo de ensino. Todo material fica à disposição na nuvem de cada classe. Os alunos irão continuar a ter aulas via internet até o final do ano letivo em junho.
Com todas pessoas com sintomas tendo que se isolar por 14 dias o Reino Unido estendeu o pagamento da licença médica a trabalhadores que não estiverem doentes, mas que devem se isolar em quarentena. Além disso, o governo vai garantir o pagamento de 80% do salário de todos empregados que seriam despedidos devido a problemas financeiros da empresa causados pela crise do Covid-19. Ou seja, o governo britânico vai bancar parte do impacto econômico na vida dos trabalhadores ingleses.
Em Londres, uma das cidades com maior número de casos no Reino Unido, o ritmo do dia-a-dia mudou totalmente nesta semana. A maioria das empresas com sede na capital britânica mandou os funcionários trabalhar em casa seguindo orientação do governo. Bares, teatros, cinemas, restaurantes e academias estão fechados em todo país desde ontem à noite. Cerca de 40 estações do metrô londrino já foram fechadas e aos poucos a vida frenética de Londres vai entrando num ritmo mais calmo que jamais poderíamos imaginar. Tropas de soldados do exército britânico estão se preparando para auxiliar na segurança da maioria das grandes cidades quando houver necessidade.
Não é só o número de casos de Coronavírus que crescem exponencialmente. Devido às restrições do isolamento, os ingleses estão cada vez mais comprando on-line. Aliás, nossas vidas – mais do que nunca- dependem da conexão de wifi! Com o isolamento social , novos aplicativos surgem para nos ajudar a passar o tempo e para entreter as crianças que terão que ficar em casa nas próximas doze semanas.