Lá na pontinha nordeste do mapa da Europa encontram-se três pequenas repúblicas, banhadas pelo mar Báltico e históricas em sua existência. A Lituânia, Letônia e Estônia são países independentes e se comparados ao Brasil, minúsculos em extensão pois a maioria dos estados brasileiros possui área e população maior que cada república báltica. São três nações marcadas pelo domínio russo e até poucas décadas faziam parte da URSS. Na Letônia, a influência russa pode ser percebida ainda hoje, principalmente na língua com cerca de 30% da população continua falando russo. As tradições folclóricas nos três países são similares e remontam, quase sempre, aos tempos pagãos. O povo báltico reverencia o poder celestial do sol durante o solstício de verão no mês de junho através de inúmeros rituais. Nesta época do ano os três países ganham vida depois do longo – e gelado – inverno. É tempo de alegria e em Riga neste ano o clima de euforia invadiu cada canto da cidade.
Desde o último fim de semana a capital letã sedia o Festival da Canção e Dança, um evento histórico e que acontece a cada cinco anos no país. Desde 1873 os letões se reúnem para cantar e dançar e de certa forma acolher a estação do calor. Há 150 anos acontecia o primeiro festival com mil participantes e ainda pequeno, comparado aos 40 mil deste ano. Embora os períodos de sofrimento e reviravoltas na história do país ao longo dos anos a música e a dança unificaram a população letã. O Festival da Canção e Dança da Letônia é um fenômeno artístico amador incrível retratando a força do canto nas pequenas e grandes comunidades e que tornou-se num evento de importância internacional, unindo letões de todo mundo, inclusive do Brasil. É um festival que reúne todas as gerações, das crianças aos mais velhos, e de etnias variadas.
Nos últimos dias as ruas de Riga foram tomadas por grupos de corais, vestindo trajes típicos de cada região do país, ensaiando para as apresentações no auditório ao ar livre, no meio do parque de Riga. Mais de mil e seiscentos grupos da Letônia e uma centena de outros países participam do evento. Na verdade, dezenas de espetáculos formam o grande festival. As municipalidades são representadas por grupos variados, de dança, coral, teatro ou apresentação folclórica. Para concorrer é preciso demonstrar muita dedicação e, claro, vocação! As canções durante o festival são apresentadas na língua letã ou dialeto. A arte do canto faz parte do currículo escolar nacional e assim o dom e gosto pelo canto inicia bem cedo, nos bancos escolares.
A preparação para o Festival dura cinco anos – entre um evento e outro, e requer muita dedicação dos participantes, em sua maioria amadores e voluntários. Ensaios semanais se transformam em encontros comunitários para se descontrair, criando laços de amizade que duram toda vida. Entre os milhares de participantes deste ano encontra-se Dace Cernisova, colega de trabalho do meu esposo, na embaixada britânica em Riga e que participa do Festival pela quarta vez. Ela nos contou sobre o empenho de todos participantes do seu coral durante os incansáveis ensaios de voz nos últimos 20 anos em que participa do grupo. Historicamente, o Festival da Canção e Dança desempenhou um papel significativo na criação da identidade nacional da Letônia fortificando a ideia de uma nação independente durante os períodos turbulentos de ocupação, tanto que em 2003 o evento entrou na lista da UNESCO de Patrimônio Cultural e Imaterial da Humanidade.
Ao longo dos dez dias do festival, Riga sedia mais de sessenta eventos entre a tradicional apresentação de coral, dança, banda de sopros, kokle, música folclórica, conjunto vocal, desfile dos grupos com trajes folclóricos, exposição de artesanato até as inúmeras peças de teatro amador. Tem programa para todos os gostos! Em pleno verão europeu, a capital letã borbulha de alegria, acolhendo meio milhão de visitantes vindo de cada canto da Letônia e outros países para participar do grande evento.
