No centro da capital lituana, pertinho do rio Neris, encontra-se um bairro tranquilo, arborizado e cheio de construções antigas. Esta paisagem calma e pitoresca, no entanto, espreita um segredo sombrio. Pois neste distrito onde hoje paira a tranquilidade está localizada uma das piores prisões do leste europeu, um inferno que presenciou pesadelos sem fim, durante mais de um século. A prisão de Lukiskes pode ser comparada à Alcatraz em termos de atrocidades cometidas por trás de suas grades.
Construída em 1904, quando a Lituânia fazia parte do Império Russo, a prisão Lukiskes era considerada um projeto arrojado e inusitado para a época. Uma revisão do código penal em 1874 estabeleceu o cumprimento de pena na prisão. Antes, os prisioneiros eram detidos por um período de transição e, em seguida liberados ou enviados para a forca além de muitos serem transferidos para campos de trabalho. Com o código penal reformado, os delinquentes poderiam ser julgados em qualquer lugar recebendo penas de seis meses a seis anos, uma mudança que levou a uma superlotação do então complexo prisional de Vilnius. E assim o governo local decidiu construir uma prisão moderna, que abrigaria criminosos famosos, opositores políticos do czar e ladrões comuns, inicialmente com capacidade para 421 prisioneiros e um centro de detenção para 278 apenados. Em 2005 Lukiskes abrigava cerca de mil prisioneiros. Ocupando um quarteirão inteiro no centro de Vilnius, a prisão era na verdade um conjunto habitacional, incluindo prédio de escritórios, cozinha, padaria, banheiros, porão de gelo e lavanderia. Além disso, haviam residências luxuosas para o diretor e seus quatro delegados, 37 oficiais e 24 apartamentos menores para oficiais solteiros. A prisão também contava com uma Igreja Ortodoxa, uma Capela Católica e uma Sinagoga Judaica (destruída durante a 2ª Guerra Mundia quando Vilnius foi ocupada pelos nazistas).
Desde o início em 1904 quando os primeiros prisioneiros foram transferidos para a prisão de Lukiškės até 2019 quando foi fechada, o local era conhecido como o inferno de Vilnius. Até 1995, quando aconteceu a última execução, apenados eram executados dentro da penitenciária. Choro e gritos histéricos dos prisioneiros sendo torturados física e mentalmente ecoavam pela capital principalmente durante a ocupação nazista quando judeus eram mantidos em celas minúsculas antes de serem executados nos arredores de Vilnius. A realidade de hoje, entretanto, é bem diferente daquela no século passado. Com o fechamento da prisão em 2019, os lituanos transformaram o local num polo cultural inusitado. Se antes era reduto de tortura e miséria, Lukiskes hoje em dia significa diversão e criatividade pois vários espaços foram transformados em oficinas de arte, centro de exposições culturais e moradia para 250 artistas e músicos.
A prisão mantém suas características originais com vestimentas e mobília dos tempos antigos e pode ser visitada diariamente através de tour guiado, do qual participamos. Algumas visitas, inclusive, são lideradas por ex-presidiários e antigos guardas da casa de detenção. Para quem não curte reviver o trauma dos encarcerados, o vasto pátio em torno da prisão oferece opções de barzinhos e palco de shows que ficam lotados à noite com a galera dançando na balada, escondidos entre as muralhas de arame farpado. E para que é fã do seriado da Netflix “Stranger Things”, uma visita à prisão é passeio obrigatório pois inúmeros prédios foram usados para a gravação da última temporada, lançada em maio. Pode-se visitar vários cenários que aparecem na série e inclusive hospedar-se numa cela temática com decoração dos anos 80.
Nas próximas semanas estarei curtindo um período de férias durante o verão daqui, além de preparar-me para uma nova mudança de país. A coluna retorna em meados de agosto.