O inverno gelado no norte da Europa continua a arrepiar neste final de fevereiro. Nesta semana na Letônia os termômetros baixaram para -25o C, marcando a noite mais gelada de fevereiro na última no país. A estação do frio por aqui perdura durante meses, quase sempre carregada de neve e vento congelante mas nem por isso deixamos de sair de casa. Passeios pelo parque e lagos congelados se transformam em diversão nesta época do ano com as crianças brincando na neve e deslizando com trenós morro abaixo. Durante o inverno, a maioria dos museus e galerias promove novas exposições para convidar o público a sair de casa. Com os flocos de neve caindo sem parar em Riga, nós também aproveitamos para visitar um dos tantos museus da capital.
Localizado num dos quarteirões históricos da capital letã, o museu do gueto judeu de Riga retrata a vida e sofrimento da comunidade judaica da Letônia e outros países durante o holocausto. Num bairro fora do centro da cidade recheado de casas de madeira e onde comerciantes russos e judeus moravam originalmente, o gueto de Riga foi estabelecido em 25 de outubro de 1941. Na época, em vários países da região milhares de judeus foram transferidos para guetos. E na Letônia não foi diferente, os nazistas levaram todos os judeus de Riga e arredores para uma pequena área de 16 quadras, separada do resto da cidade por arame farpado e guardas armados. Pequenas construções sórdidas foram acrescentadas, contendo dois ou três quartos, com condições sanitárias precárias abrigavam mais de 30 pessoas em cada residência. Famílias inteiras que viviam pacificamente no país até então foram forçadas a deixar suas casas e trabalho para viverem aglomerados no gueto. A maioria dos 35 mil judeus que moravam no centro de Riga foi morta no inverno de 1941 no massacre de Rumbula.
O museu é relativamente pequeno e transformou alguns armazéns antigos do século XVIII em pavilhões onde é contada a história negra do holocausto na Letônia e nos países bálticos. A entrada de pedras do museu foi criada a partir dos paralelepípedos da rua principal do gueto, Ludzas Iela. No lado exterior dos pavilhões os portões de madeira e arame foram recriados a partir de fotografias criando uma réplica do bairro original. Pelo pátio entre um armazém e outro um muro memorial destaca mais de 70 mil nomes de judeus letões que foram vítimas do Holocausto e cerca de 25 mil nomes de judeus de outros países europeus que foram trazidos para Riga para serem assassinados. Num domingo gelado com a temperatura marcando 11 graus negativos passamos quase 45 minutos no pátio externo. Embora a vontade seria de ficar mais tempo o vento gelado cortando no rosto nos mandava para os pavilhões internos. A geleira não deu trégua enquanto líamos a longa lista de nomes e sobrenomes, muitos deles reconhecidos e comuns no interior de Venâncio Aires, decidimos que teríamos que voltar no verão para poder ler toda a lista dos milhares de judeus que foram executados na floresta de Rumbula, a 15km de Riga.
Nos pavilhões internos aprendemos muito sobre a história da comunidade com várias fotos do gueto e da vida antes do extermínio em vários estandes informativos nas línguas inglesa, letã e russa. No pátio encontra-se ainda uma réplica de uma casa típica da época, mobiliada como antigamente e com vários símbolos judaicos como se lá ainda estivessem os moradores. A exposição mais marcante para mim foi dentro de um vagão de trem, representando a viagem de milhares de judeus vindo de Berlim, intitulada “Berlim-Riga. Bilhete de ida”. Dentro do vagão fotos e bilhetes retratam a viagem só de ida e que levou à morte todos os passageiros naquele tremv. Famílias inteiras, carregando em suas malas seus bens e coisas preciosas não tinham ideia do que esperava-lhes em Riga. No vagão, troncos de árvores representam a floresta de Rumbula, destino final do trem com bilhete só de ida. Muito triste ver o rosto sorridente de muitos, esperançosos que estariam fugindo do pior sem saber que o pior estava por vir. A história dos judeus na Letônia remonta ao século XIV mas foi durante as primeiras décadas de 1900 que a comunidade prosperou no país. No início de 1930 a população da Letônia contava com quase 100 mil judeus, 50% destes morando em Riga. Somente 14 mil sobreviveram ao holocausto.