Uma república de fantasia, com sua própria constituição, moeda, exército e bandeira. Assim é Uzupio, o bairro boêmio e artístico de Vilnius que proclamou sua fictícia independência da Lituânia no dia 1º de abril de 1998 e desde então comemora o dia da mentira com muita festa. A República de Uzupio foi formada por sonhadores, filósofos e artistas lituanos. O bairro era originalmente um gueto vibrante cheio de artesãos russos e judeus mas depois da Segunda Guerra Mundial ficou abandonado. Durante o domínio da União Soviética, o distrito foi esquecido, prédios e residências ficaram desabitados atraindo mendigos, sem-tetos e prostitutas.
Para entender um pouco da história deste distrito efusivo temos que voltar alguns séculos, durante 1550 e 1600 quando a região era um reduto próspero de artistas e intelectuais judeus. O acesso ao bairro através de duas pontes foi construído nesta época longínqua. Durante o Império Russo até final de 1800 o distrito perdeu um pouco do seu status residencial e artístico devido à intensa russificação imposta ao país durante mais de cem anos. Enquanto o país iniciava um novo capítulo na história através da independência do Império em 1918, algumas décadas mais tarde vieram os nazistas e aniquilaram a população judia em toda Lituânia mas especialmente em Vilnius que era considerada a Jerusalém do norte. E assim, sem moradores fixos, o bairro de 60 hectares se transformou em local de manifestação e propagação do nacionalismo lituano durante a União Soviética, pois devido ao estado de abandono pouco chamava a atenção da KGB.
Nos tempos de controle da imprensa e de pulverização ideológica, Uzupio era o local em que os lituanos podiam viver um pouquinho da sua própria cultura. Depois do esfacelamento da URSS e a independência da Lituânia em 1990, o distrito retornou às raízes artísticas de outrora – um bairro sugestivo e independente. O nome Uzupio significa do outro lado do rio, pois o distrito é separado do centro histórico de Vilnius pelo rio Vilnia. Com sete mil habitantes, hoje em dia o bairro atrai jovens estudantes, artistas e famílias que escolhem o local para morar. A grande maioria das construções antigas vem sendo restaurada, revelando o charme do quarteirão dos artistas alternativos. Os prédios dilapidados das fábricas soviéticas do outro lado do rio hoje em dia formam um condomínio de luxo enquanto o antigo mercado público foi transformado numa praça de alimentação gigante, a queridinha do momento na capital, e ponto de encontro dos vilnianos.
A proposta dos idealizadores da república fictícia pode ser vista em cada canto do bairro e em especial na rua Paupio. Afixada em um muro público mal conservado, a constituição de Uzupio chama a atenção pelos seus 41 artigos gravados em placas de metal e traduzidos para dezenas de línguas. Na lei maior da curiosa república consta o direito de ser feliz, de chorar, de sorrir, o direito de ser ocioso entre tantos outros. Passeando de bicicleta pela ladeira principal do bairro, vamos descobrindo portões e pátios secretos, repletos de desenhos e grafite livremente esboçados nas paredes e muros. Entre uma ruela e outra inúmeros restaurantes, cafés e bares alternativos revelam o espírito boêmio do bairro. Pequenas galerias de arte e oficinas de artesanato colorem os guetos do distrito. O símbolo da república de Uzupio é uma mão furada representando a palma de um árduo trabalhador e está estampada na bandeira do bairro.