Venâncio Aires - No reino animal, os comportamentos ligados à sexualidade seguem quase exclusivamente a lógica da reprodução: machos e fêmeas se aproximam quando o instinto biológico os conduz a isso. Entre seres humanos, entretanto, a sexualidade assumiu um papel muito mais amplo, sendo influenciada por cultura, valores morais, tradições e crenças religiosas. Em vários grupos sociais, ainda hoje o exercício da sexualidade continua associado à responsabilidade, ao compromisso e às normas familiares ou espirituais.
Na cultura ocidental contemporânea, especialmente a partir da segunda metade do século XX, houve uma mudança considerável. A sexualidade passou a ser vista, principalmente, como expressão de prazer e liberdade individual. Essa mudança trouxe avanços importantes, como a defesa da autonomia corporal e dos direitos sexuais. Porém, também abriu espaço para novos desafios. Cada vez mais, observa-se que a satisfação imediata, sexual, emocional ou social, tem sido colocada acima de qualquer reflexão sobre consequências. Uma gravidez inesperada passou a ser encarada por muitos como “acidente”, e não como possibilidade natural decorrente de relações sem planejamento. Ao mesmo tempo, a erotização precoce e a falta de estrutura familiar ou escolar fazem com que adolescentes, às vezes com 12 ou 14 anos, iniciem sua vida sexual sem maturidade emocional e psicológica para compreender o que isso realmente significa.
A erotização da infância e da adolescência não é apenas um fenômeno comportamental, mas também cultural. Mídias sociais, música, publicidade e entretenimento passaram a explorar a sexualidade de forma explícita, muitas vezes sem considerar o impacto psicológico nos mais jovens. O que antes pertencia ao âmbito íntimo e privado tornou-se espetáculo público, incentivando uma busca constante por validação externa, likes, atenção e pertencimento.
Com isso, cria-se uma geração que aprende a relacionar valor pessoal com desempenho sexual ou com a aparência corporal, e não com caráter, identidade ou construção de habilidades. A promiscuidade, entendida como trivialização das relações íntimas, começa a se apresentar não apenas como comportamento tolerado, mas como comportamento incentivado.
Do ponto de vista social, essa mudança gera desafios profundos. Relações afetivas tornam-se cada vez mais frágeis, marcadas por vínculos curtos e descartáveis. A lógica do consumo contamina até mesmo o modo como as pessoas se enxergam: parceiros passam a ser lidos como produtos substituíveis, e não como indivíduos com profundidade emocional. Quando vínculos humanos são tratados como descartáveis, torna-se difícil construir famílias estáveis, redes de apoio sólidas ou compromissos duradouros.
No campo psicológico, a busca incessante por prazer imediato pode criar ciclos de frustração, ansiedade, baixa autoestima e até dependência emocional. A ausência de limites claros e de referências éticas sólidas faz com que muitos jovens — e adultos — experimentem a sexualidade de forma compulsiva, impulsiva ou desorientada, sem compreender suas implicações emocionais.
Nada disso significa defender a repressão sexual ou negar a importância da liberdade individual. Ao contrário: trata-se de reconhecer que liberdade sem maturidade pode se transformar em libertinagem, e que o exercício responsável da sexualidade exige autoconhecimento, empatia, prudência e consciência das consequências. A verdadeira autonomia nasce da capacidade de escolher, não de seguir impulsos.
Assim, o debate necessário não é entre liberdade e repressão, mas entre maturidade e imediatismo. A sociedade ocidental precisa refletir sobre o tipo de cultura sexual que está construindo e transmitindo. O desafio está em resgatar valores como responsabilidade, compromisso, respeito e autocontrole, sem abrir mão da autonomia e da dignidade individual.