A 10ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco encerrou no sábado, 10, na Cidade do Panamá, e a falta de transparência ainda é marca deste evento internacional que tem chancela da Organização Mundial da Saúde. Até a noite desta quarta-feira, 14, os documentos relacionados às decisões ainda não estavam publicados no site oficial do evento.
A falta de clareza nas informações durante a COP 10 e a negativa de acesso à imprensa gaúcha foram duramente criticadas por diversas lideranças e entidades da cadeia produtiva do tabaco, entre elas, a Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo). Para o gerente-executivo da associação, Giuseppe Lobo, o sentimento em relação à COP é de frustração. “Mais uma vez, as delegações representando a Câmara dos Deputados e a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e dessa vez, junto com o secretário de Desenvolvimento Rural, Ronaldo Santini, não tiveram acesso oficial à conferência. Pela primeira vez, a imprensa foi excluída dos debates oficiais e os jornalistas tiveram que fazer um trabalho de bastidores, de levantamento de informação sem ter acesso ao evento”, lamentou
Para Lobo, a proposta apresentada pelo Brasil, que é o maior exportador de tabaco do mundo há 30 anos, vai contra a produção de tabaco. “A gente viu aí uma manifestação do Ministério de Desenvolvimento Agrário, em defesa da produção e do produtor, que não foi respeitada pela delegação brasileira, levando proposições que podem afetar a produção de tabaco. Então, o nosso sentimento é de frustração”, resumiu.
Apesar disso, o executivo da Abifumo avalia como positiva a participação dos representantes da cadeia produtiva do tabaco e dos parlamentares. “Mesmo alijada da conferência oficial, a delegação e a mídia fizeram um grande trabalho junto à embaixada para conseguir levar as preocupações da população do Rio Grande do Sul e dos demais estados produtores e, de certa maneira, constranger algumas medidas mais incisivas por parte da delegação brasileira”, pontuou.
Declarações
“A economia do Rio Grande do Sul precisa da cultura do tabaco, precisa da manutenção desta atividade para que o Estado também tenha crescimento, tenha desenvolvimento nas mesmas proporções que acontecem na região produtora do tabaco.”
RONALDO SANTINI -Secretário de Desenvolvimento Rural do RS. Ele representou o Governo do Estado na COP 10.
“Mesmo que tenhamos enfrentado inúmeras barreiras e provações, logramos êxito na COP 10. Tenho plena certeza de que a nossa presença inibiu, de certa forma, a ação da OMS e da Conicq em prol da proibição do plantio do tabaco.”
EDIVILSON BRUM – Deputado estadual (MDB) e ex-prefeito de Rio Pardo
A influência na COP
“Não tem muito escapatória. Se 90% do fumo brasileiro é exportado, na medida em que o consumo no mundo diminui, a demanda por tabaco vai diminuir. Estamos falando de um produto que mata uma em cada duas pessoas que consomem regularmente cigarro.” As declarações acima são da médica Vera Luiza Costa e Silva e foram feitas durante uma das três reuniões que foram realizadas na Cidade do Panamá, entre a delegação oficial brasileira e a comitiva formada por deputados e representantes da cadeia produtiva do tabaco.
Ela é secretária-executiva da Comissão Nacional para a Implementação da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco (Conicq) e há quatro décadas atua no combate ao tabagismo. Vera já foi chefe do Secretariado da Convenção-Quadro no âmbito da Organização Mundial da Saúde (OMS) e, no ano passado, retornou ao Brasil, sendo levada à liderança da Conicq, órgão que foi recriado no governo Lula.
Embora não esteja mais no comando internacional, o que se percebe é que a médica (e por sua vez, a delegação brasileira), segue tendo muita influência nas COPs. Exemplo disso é a proposta brasileira aprovada na edição deste ano e que está relacionada aos impactos ambientais do tabaco. A proposição não estava na pauta da conferência, foi apresentada no início dos debates e acabou se tornando a decisão que foi ressaltando no encerramento da conferência.
Não é uma decisão que cabe à Conicq, mas se dependesse da posição deste órgão, o Brasil aprovaria novos aumentos da carga tributária sobre os cigarros e também seguiria proibindo os cigarros eletrônicos. Durante entrevista a jornalistas gaúchos, Vera Costa e Silva deixou claro a opinião sobre o aumento de impostos. “Do ponto de vista de saúde pública não existe medida mais efetiva para a redução do consumo do que aumento dos impostos. E se você for avaliar as populações mais vulneráveis, como por exemplo a população mais pobre e crianças e adolescentes, quanto mais barato for o produto tabaco, mais você vai dar acesso a essas crianças e adolescentes”, declarou.
O que a COP discute?
Em entrevista concedida a jornalistas gaúchos barrados de acessar a COP 10, a secretária-executiva da Conicq, Vera Luiza Costa e Silva, falou dos objetivos da Conferência das Partes e voltou a dizer que o evento não discute a produção, embora as medidas impactem toda a cadeia produtiva do tabaco. “A COP não discute produção, a COP, na verdade, nem interfere nisso. A COP discute o controle do tabagismo. Como é que a gente ajuda o fumante a deixar de fumar? Como é que a gente evita que novos fumantes sejam capturados com propaganda, publicidade, promoção e patrocínio? Como é que a gente ajuda, eventualmente, aos plantadores a transitarem pela vontade deles para outros tipos de cultivo? Como é que a gente regula os produtos do tabaco?[…]Como é que você taxa os produtos para eles não terem um preço de bala? Onde que você coloca esses produtos para eles não ficarem do lado dos chicletes e do lado dos biscoitos, no supermercado? Enfim, é isso que a COP discute na sua essência”, respondeu a médica.