O peregrino Joshua se encontrava encharcado até os ossos quando chegou ao vilarejo de Boiada Grande. Entrou na vendinha de secos e molhados para tentar se aquecer um pouco e fugir do vento, que piorava ainda mais a sensação térmica daquele final de tarde. Dentro do estabelecimento, encontrou dois homens conversando:- Então, não consigo mais saber o que devo fazer. Tô queimando minha moringa, mas não sei. Parece que tenho de fazer outra coisa de minha vida, que estou no lugar errado. Nem sei mais! Quer dizer: na verdade, sei, mas acho que não quero, ou melhor: não sei se devo…- Credo, homem, a coisa tá mesmo braba! Sabe mas não sabe?! Quer mais não quer!? Acho que você precisa é de descarrego e muita reza.- Nah – disse o gordo homem. – Preciso é esquecer quem eu sou. Fugir, ou gritar, ou… ou… Blé.- Vixi! – E o homem se virou para Joshua. – E, você, peregrino, o que pensa disso? Ajude-me a acalmar esse maluco.Joshua se aproximou dos homens.- Meus amigos, o que posso dizer é que essa situação de inquietude nada tem de desesperador ou errado. Justo o contrário.- Pronto! – O gordo homem gesticulou os braços no ar. – Não me falta mais nada.Joshua escorou ambas as mãos sobre a bengala.- Feliz daquele que descobre seu verdadeiro eu interior, aquele que, sem variação, encontra-se escondidinho lá no fundo de nossa alma. Muitos vivemos nossas vidas em constante desconforto, com dúvidas, povoados de sonhos inalcançados. Não raramente, sequer conseguimos identificar o motivo de estarmos assim, de sentimos a voz embargada, ou aquela vontade de chorar.O gordo homem cruzou os braços:- Eu não choro não.Joshua olhou para o gordo homem.- Mas, tudo passa. Para esquecermos, ocupamo-nos com outras questões. Moldamo-nos às demandas de nosso meio, adestramo-nos para viver em sociedade, e acabamos sufocando desejos pessoais em prol de um suposto bem maior.O gordo homem descruzou os braços e coçou a cabeça.- Não faço a menor ideia do que o senhor tá falando.- Meu amigo, o que digo é que, muitos de nós, para atendermos aos anseios sociais, acabamos cegos e esquecemos onde, de fato, deveríamos ir. Aonde nosso eu nos conduziria.- Mas e por que me sinto assim, angustiado?Joshua olhou nos olhos do gordo homem.- Quando algum de nós consegue reencontrar seu eu e enxergar seu próprio caminho, não é raro acabar se angustiando.- Por quê?- Porque se sente deslocado, remando contra a maré, quase um louco. Pensa que deveria se manter no caminho em que se encontrava, posto que já aceito pela sociedade humana em que se encontra engajado.- Mas aí que eu digo. é bem isso que eu sinto. O senhor é dos bons!Joshua colocou a mão no ombro do gordo homem.- Meu amigo, não esconda seu verdadeiro eu de si mesmo. Agora que você o reencontrou, acredite nele. – Mas, não é assim tão fácil.- Então, minha verdade lhe digo: o quão mais fácil é viver escondido, negando aos outros o que você de fato é e quer de sua vida? Viva seus sonhos, materialize-os.
Mateando
FOLHA RECOMENDA - Por Rafael Lovato - O eu dentro de si mesmo
O peregrino Joshua se encontrava encharcado até os ossos quando chegou ao vilarejo de Boiada Grande. Entrou na vendinha de secos e molhados para tentar se aquecer um pouco e fugir do vento, que piorava ainda mais a sensação térmica daquele final de tarde. Dentro do estabelecimento, encontrou dois homens conversando:- Então, não consigo mais […]
Assuntos