(Narrativa da execução de Luís XVI pelo Padre Edgeworth)O dia da execução amanheceu frio e úmido. Luis XVI acordou às 5 horas e, às 8 horas uma guarda de 1200 cavaleiros chegou para acompanha-lo numa marcha de duas horas até o lugar da execução.
Acompanhando-o, por convite seu ía o padre inglês Edgeworth que vivia na França. Foi este sacerdote que registrou o evento para a história e que vem narrado abaixo:
O rei estava sentado na carroça numa posição em que não podia falar comigo nem ouvir o que eu com ele falasse sem uma testemunha. Ele permaneceu num silêncio profundo. Eu dei a ele meu breviário, o único livro que tinha comigo, e ele me pareceu aceita-lo com prazer. Ele parecia ansioso para que eu indicasse a ele quais os salmos que eram os mais apropriados para a sua situação, e ele os recitou para mim com muita concentração. Os gendarmes, sem falar observavam e pareceram-me atônitos e confundidos pela piedade tranquila do monarca que eles, sem dúvida, jamais tinham visto de tão perto.
A procissão durou quase duas horas; nas ruas os cidadãos estavam em linha, todos armados, alguns com lanças e outros com armas e a carroça estava cercada por tropas, formadas pelos mais desesperados parisienses.
Como precaução adicional foram colocados antes dos cavalos vários tambores, cuja função era abafar qualquer ruído ou murmúrio em favor do rei. Ninguém aparecia nem nas portas nem em janelas e na rua só se via cidadãos armados; cidadãos prontos para cometer um crime que talvez eles mesmos detestassem praticar nos seus corações.
A procissão em silêncio chegou à praça (hoje chamada Place de la Concorde) e parou no centro de um largo espaço vazio, em torno da guilhotina. Este espaço estava cercado de canhões e, atrás deles uma multidão armada que se estendia até onde os olhos podiam alcançar.
Tão logo o rei percebeu que a carroça estancara ele virou-se e sussurrou para mim: – Chegamos, se não estou enganado.Meu silêncio respondeu-lhe que tínhamos chegado.
Um dos guardas abriu a porta da carruagem e os gendarmes iam saltar, mas o rei os deteve e apoiando seu braço no meu joelho disse num tom majestático:- Cavalheiros eu lhes recomendo este homem bom; tenham cuidado para que, depois de minha morte, nenhum insulto seja feito a ele – eu determino que vocês evitem isso.
Assim que o rei deixou a carruagem 3 guardas o cercaram para despi-lo de suas roupas, mas ele os repeliu com dignidade e despiu-se. Desamarrou sua gravata e abriu sua camisa.
Os guardas que a determinação da atitude do rei tinha, por um momento, desconcertado, recuperaram sua audácia. Cercaram-no e tentaram segurar suas mãos.- O que vocês estão tentando fazer? Perguntou o rei, recolhendo suas mãos.- Amarra-lo, responderam. – Amarrar-me? disse o rei indignado. Não eu nunca consentirei. Façam o que tenham que fazer, mas nunca me amarrarão.
O trajeto até a guilhotina era muito difícil de fazer. O rei foi forçado a apoiar-se no meu braço e, pela lentidão de sua marcha temi que talvez lhe faltasse a coragem.Para minha estupefação quando deu o último passo eu senti que, subitamente ele havia largado meu braço, cruzou com passos firmes o cadafalso e, numa voz tão alta que talvez tenha sido ouvido na Ponte Tournant, eu o escutei pronunciar distintamente essas palavras memoráveis:- Eu morro inocente de todos os crimes de que fui acusado; eu perdoo os que causaram a minha morte; e eu rezo a Deus que o sangue que vocês vão derramar nunca recaia sobre a França.
Ele ia continuar quando um homem a cavalo e com uniforme, com um grito feroz deu a ordem para bater os tambores. Muitas vozes se manifestaram encorajando os executores, o que parece os reanimou.
Agarraram então aquele mais virtuoso dos reis levaram-no para a guilhotina que, de um golpe separou sua cabeça do corpo. Tudo isso aconteceu muito rapidamente.
O mais jovem dos guardas, de uns 18 anos, imediatamente agarrou a cabeça e mostrou-a ao povo, enquanto caminhava em torno da guilhotina. Ele acrescentou a essa monstruosa cerimônia os mais atrozes e indecentes gestos.
Primeiro, um silêncio prevaleceu na multidão, depois alguns gritos de “Vive la Republique” foram ouvidos. Gradualmente as vozes se multiplicaram e em menos de 10 minutos esses gritos, repetidos milhares de vezes, tornaram-se o brado universal da multidão, e os chapéus voavam pelos ares.