A churrascada

A ordem presidencial chegou por memorando a todos os ministérios. Para conter a crise, “todos devem cortar na própria carne”, dizia o texto. Houve confusão. Ninguém sabia exatamente o que significava aquilo. Quem sabe a presidenta queria dizer outra coisa, sabe como é, às vezes, no que se refere à clareza, ela é bastante inclara, se é que existe essa palavra.Para esclarecer a ordem, a mesma foi repassada ao Ministério dos Assuntos Difíceis (MAD) e também ao Ministério das Questões Complicadas (MQC). Isto porque ainda se discute no governo quais são as atribuições desses dois ministérios, o que tem gerado debates acirrados que culminaram na criação do novo Ministério das Dúvidas Frequentes (MDF).Os ministérios consultados elaboraram um alentado relatório que, por sua vez, foi enviado ao Ministério das Ideias Mirabolantes (MIM) para que encontrasse a melhor maneira de explicar a estranha ordem presidencial a todo mundo. Como o assunto era carne, o MIM decidiu que a forma mais didática de fazer isso seria promover uma grande churrascada.O local escolhido foi a Granja do Torto, uma das residências oficiais de Brasília. Seriam convocados todos os ministros, os deputados, os senadores, os membros do Judiciário, os altos funcionários. E também representantes do povo, apesar de algumas opiniões contrárias. Mas a coisa complicou: não haveria local para estacionar centenas de carros oficiais. E colocar aqueles vistosos carros pretos no campo da granja, junto com avestruzes, emas, vacas e ovelhas não seria de bom tom. Além disso, uma foto aérea parecendo um grande pátio de montadora com produção encalhada não seria bom para a imagem, digamos assim, declinante do governo.Decidiu-se então convidar um número limitado de representantes dos segmentos citados, mesmo assim uma pequena multidão.A carne, exceto a do povo convidado, seria debitada nos cartões corporativos do governo que, como se sabe, cobrem gastos governamentais “secretos”. Foi elaborada uma lista de carnes nobres e, por uma confusão, quase ficaram de fora os filés. é que, em vez de contrafilé, alguém escreveu “contra filé”, o que foi interpretado que o filé mignon estava vetado, talvez por algum resquício ideológico mais antigo. E havia também um pedido exótico dos deputados e senadores: além da tradicional maminha, os parlamentares exigiram úberes e tetas no cardápio. Sobre as tetas, houve divergências na maneira de espetá-las: ao comprido ou atravessadas. Decidiram por assá-las atravessadas que nem salsichão.Chega o dia da churrascada. O Judiciário não compareceu e ainda mandou uma ordem judicial para que suas carnes fossem entregues a domicílio. E sem cortes. A churrasqueira foi dividida em dois setores: o das carnes nobres e o das carnes pobres, aqueles cortes que o povo teve que trazer. Os assadores oficiais do governo, todos eles CCs, se atrapalharam muito. Incendiaram picanhas gordurosas e torraram os filés.

Já o povo, que assou sua própria carne, fez um churrasco no ponto que logo foi devorado por… deputados, senadores e ministros esfomeados cujo churrasco havia virado carvão!

Alguém falou que a “carne queimada era o símbolo do desperdício governamental”, mas logo foi corrigido pelo Ministro das Explicações Oficiais que afirmou ter havido uma “carbonização não programada de material protéico que impactaria momentaneamente no ajuste fiscal”. E a ordem presidencial que falava em “cortar na própria carne” foi corrigida para “cortar na carne”. Seja de quem for.