Sobre o feriadoHoje eu constatei um fenômeno que me intriga há tempos: de fato, o sono também faz feriado. Segunda, quando eu tiver que acordar às 6h30, tenho certeza de que ele estará de volta, cumprindo rigorosamente sua tarefa.

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Rua de brinquedoToda tentativa de capturar a imagem da Lua pelas lentes baratas deste meu celular é em vão, porque o resultado é sempre um pontinho luminoso no meio da foto, cujo brilho torna-se inferior à luz artificial da iluminação pública. No entanto, olhando pro resultado final, chamou-me a atenção a rua, vasta, deserta, convidativa. A rua que me lembrou minha infância, quando a gente brincava após a escola, até bem depois de a lâmpada do poste acender. Houve um tempo em que a rua era brinquedo. A gente só precisava levar o corpo, então podia correr, pular, rolar, dançar. Lembrei da minha rua de criança. Não por que me traz saudade (porque não me traz), mas pela alegria de eu já ter tido uma rua de brinquedo.

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Sobre a invençãoHá gotas que matam pela densidade. Quando não canalizadas, são devastadoras. Minha arte são lágrimas represadas numa barragem de uísque, poesia e cor. é preciso a força da palavra mais singela para que não se rompa. Em se rompendo, meu ser se inundaria de dor e morreria imerso no líquido de si próprio. Por isso invento: para não me afogar.

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O nascimento de um poetaEle é tímido. No primeiro dia de aula, nem quis se apresentar. Fiz a turma bombardeá-lo de perguntas, numa tentativa de fazê-lo se sentir bem-vindo e aceito. Ele respondeu todas elas, como se fosse um importante entrevistado em um programa famoso. Nas aulas subsequentes, lemos Bukowski, Pessoa e Quintana. Ouvimos Zé Ramalho e Nando Reis. Aprendemos sobre rimas, métricas e sentimentos. Há duas semanas, ele me trouxe um poema: “sora, vê o que tu acha, no que é que eu posso melhorar”. Há uma semana, ele me trouxe outros dois poemas: “sora, se tu fosse a guria do poema, qual deles tu queria que fosse pra ti?”. Na aula passada, me trouxe quatro novos poemas: “sora, lê e dá um título pra cada um deles, o que tu quiser”. Eu disse a ele que ele tinha jeito de poeta. Naquele momento, notei a sutileza de uma alma se descortinando, de um espírito descobrindo a que veio. Ele realmente leva jeito pra poeta. Não porque escreve o que sente. Sim porque sente o que escreve.