Folha Recomenda traz a literatura da professora e colunista Pamella Tucunduva da Silva.

A caixa vermelha

– Olha lá ela de novo.– Maria Alice, sai da janela pelamordedeus.– Eu disse. Eu disse que ela era macumbeira.– Ah, não. De novo não.– Pelo menos uma vez por semana ela sai com essa caixa vermelha pra sabe-se lá onde.– Maria Alice, quer me deixar cochilar um pouco antes de voltar pro trabalho?– Outro dia a Adelaide me disse que encontrou essa daí lá na encruzilhada, revirando essa mesma caixa vermelha.– E o que tem isso?– Encruzilhada é lugar de macumba.– E o que a Adelaide estava fazendo lá, então?– A Adelaide estava… estava só… pagando uma promessa.– Pagando uma promessa na encruzilhada? E o que foi que ela prometeu?– Ah, isso eu não posso dizer. Mas não tinha galinha preta nem nada dessas coisas.– E quem disse que a vizinha sai por aí com galinha preta?– Ah, mas isso é óbvio. Olha só pra cara dela.– E como é a cara de quem cria galinha preta, Maria Alice?– Ah, não sei, Renato. é o jeito dela, sei lá. E esse cheiro de vela que ela tem também.– Cheiro de vela?– é. Ela trabalha pruma afilhada da Adelaide. Foi ela quem disse que essa daí tem cheiro de vela.– Maria Alice, são só fofocas. Você dá muita importância pra essas besteiras.– Besteira? Você não tem medo dessas coisas?– Medo por quê?– Ué, ela pode fazer um vodu pra você, por exemplo.– Pra mim? Se ela fizer, vai ser pra você, que não tira essa cara da janela e ainda fica inventando coisas sobre os outros.– Ai, vira essa boca pra lá, Renato. Tenho medo dessas coisas ocultas.– Então você devia ficar quieta e sair daí de uma vez.– Ai, meu Deus!– O que foi?– Ela olhou pra mim. E ainda tá olhando. Ai, Renato, ela tá vindo pra cá.– Bem feito, Maria Alice. Bem feito.– Malvado. – Bom tarde, dona Maria Alice.– Err, boa tarde… Como vai a senhora?– Eu tô bem, tá tudo certinho, graças a Deus.– Ah, que bom…– Eu vi a senhora aí na janela e pensei se a senhora podia fazer um favor pra mim…– Eu? Um favor? O quê?– Calma, dona Maria Alice. Não é nada demais. A senhora podia cuidar uns minutinhos dessa caixa pra mim enquanto eu vou lá na esquina comprar umas coisinhas que tô precisando?– Cuidar da caixa? Eu?– Só por cinco minutinhos. Se não vou ter que deschavear o portão e ele tá meio quebrado.– Err… Bom… Pode ser… Eu…– Ah, muito obrigada, dona Maria Alice. Eu volto daqui a pouquinho, viu? Já volto já-já.– Ai, Renato. O que eu faço com essa caixa? Pode trazer azar pra gente… Ai, e se for uma macumba?– Bem feito, Maria Alice. Tomara que seja uma macumba pra cair a sua língua.– Você é mau, Renato. Você é muito mau.– Eu vou abrir essa porcaria pra você ver que não tem nada aí dentro.– Não! Você tá louco? E se for justamente essa a intenção dela? A gente abre e…– E o quê, Maria Alice? E saem mil demônios da caixa, que vão nos devorar?– Vai saber…– Me dá essa porra aqui, que eu já tô de saco cheio…– Ai, Renato, que medo…– Minha nossa!– O quê? Ai, Renato, fala logo.– Olha só. A velha é traficante… Hahaha… Nossa senhora, quanto pó… Hahaha… Que macumba braba, hein, Maria Alice…– Ufa…– Tá satisfeita, agora?– Nossa, que alívio… Ah, meu Deus, que alívio. Muito obrigada, Senhor. Ufa… Mas, vai, Renato. Fecha logo essa droga antes que ela volte.