No Folha Recomenda deste domingo, o texto do escritor e colunista, Rafael Lovato. Não deixe de conferir!

Metamorfoses

O peregrino Joshua aproveitava o entardecer sentado na varanda da pensão, de onde possuía uma bela vista para o mar. Havia esquecido, em virtude do tempo que permanecera longe do litoral, como era agradável o cheiro da maresia, o vento úmido e fresco, e pensou que deveria voltar mais seguido.Assim que anoiteceu, tentou ver as estrelas, o que, apesar de não haver nuvens no céu, não conseguiu. Poderia ser a claridade do vilarejo que as ofuscava, ou, talvez, fossem seus olhos que se encontravam velhos e cansados.Com tais pensamentos em mente, uma borboleta pousou no parapeito da varanda, no mesmo momento em que uma mulher se aproximou.- O senhor também está pensando sobre a vida? Eu já desisti. Não acredito em mais nada…Joshua se virou para a mulher.- Pois é, minha amiga. é bem verdade que não raramente nos sentimos cegos, incapazes de enxergar o óbvio, o que está defronte a nossos narizes.A mulher se aproximou mais um pouco.- Como assim? O que o senhor está querendo dizer?- Que, para progredirmos em nossa evolução nesta vida, muitas vezes, precisamos acreditar que o que procuramos está lá, em algum lugar. Mesmo que não o vejamos com clareza.A mulher cruzou os braços.- Sei não.Joshua se levantou da cadeira e escorou ambas as mãos sobre a bengala.- O desespero já me abraçou, perdi esperanças, pensei em abandonar essa vida, e isso tudo por desacreditar no meu próprio potencial de vencer obstáculos.- Sei muito bem o que o senhor sentiu.Joshua deu um passo na direção da mulher.- Mas, é nesses momentos que devemos nos esforçar para levantar a cabeça e enxergar além do que nossos olhos veem.- Como assim?Joshua apontou para o céu.- Meus olhos, agora, estão me dizendo que não existem estrelas no céu noturno. Você consegue vê-las?A mulher cerrou os olhos.- Não, também não.- Será que elas de fato se apagaram, ou somos nós que não as conseguimos vê-las? – A mulher nada disse, e descruzou os braços. – Não vê-las é um ato volitivo nosso, dependente da nossa percepção de mundo, e, portanto, atrelado a nossos posicionamentos e crenças pessoais. Não as vemos por causa de algum empecilho momentâneo. Mas, isso quer dizer que elas não mais existem?A mulher respondeu de pronto.- Não!- Pois é. Mesmo não as vendo, acreditamos que elas existam e que não sumiram. Nós é que não estamos conseguindo enxergá-las, só isso. A nossa metafísica resta deformada, divorciada da realidade, mas, não devemos nos desesperar por isso. Precisamos nos adaptar.- Acho que estou entendendo o que o senhor quer dizer.Joshua olhou nos olhos da mulher.

– Minha amiga, todos devemos enfrentar metamorfoses e adaptações em nossas vidas, para evoluirmos enquanto homens. Muitos optam por permanecer os mesmos, não se transformarem, e acabam desistindo de viver. Mas, a humanidade é cíclica, e assim somos todos nós, e de nada adianta lutar contra nossa natureza – e, nesse momento, Joshua viu a borboleta, outrora pousada no parapeito, voar no meio dos dois. – No final, uma pergunta lhe faço: quem, nesse mundo cão, vendo uma larvinha gorducha, imaginaria que ela metamorfosearia em uma linda borboleta?

A mulher sorriu.- Ninguém!- Pois, minha verdade lhe digo: assim somos todos nós. Sem enfrentarmos nossas metamorfoses, e sem acreditarmos em nosso potencial, jamais evoluiremos para algo miraculoso.