Uma inflação anual de 5,5% já assusta em 2025. Em 1983, a inflação foi de 85,9%. A inflação, mais do que qualquer gesto heroico, é que fez voltar a democracia ao país. Os militares já não sabiam mais o que fazer para domar o monstro inflacionário. Àquelas alturas, o poder era um fardo difícil de carregar.

Veio então o primeiro presidente civil, Tancredo Neves, que morreu antes de assumir, dando lugar ao vice, José Sarney.

E a inflação? Disparou ainda mais durante 10 anos. Chegou a 46% por mês em junho de 1994. Os salários passaram a ser corrigidos mensalmente. Ainda assim, quando o trabalhador recebia o seu contracheque, esse já tinha perdido 50% do valor dentro do mês trabalhado.

Qualquer um que recebesse algum dinheiro corria no final do dia ao banco para depositá-lo numa aplicação chamada “overnight”. O dinheiro dormia no banco para não perder um ou dois por cento do valor até o dia seguinte.

Se você perguntasse de manhã o preço de uma geladeira, mas deixasse para comprá-la à tarde, já tinha subido. De 1965 a junho de 1994, a inflação brasileira chegou a 1,1 quatrilhão por cento. Foram realizadas quatro reformas monetárias nesse período e, em cada uma delas, foram deletados três zeros da moeda nacional.

Em julho de 1994, o presidente Itamar Franco (vice de Fernando Collor, que fora deposto) e o seu ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, lançaram o Plano Real. Deu certo até hoje, mesmo com aqueles, como Lula e seus apoiadores, que fizeram violenta oposição às medidas implantadas na época. (É assim a política: estragar o que está dando certo é uma forma de conquistar o poder, dane-se o resto. O resto? O resto é o país.)

Mas o momento atual é de apreensão. O Brasil está estagnado, a indústria anda retraída, investidores olham o país com desconfiança, o consumo está muito caro, o governo não controla os seus gastos, a corrupção volta a galopar, visto que o Alto Judiciário deu um perdão geral para todas as falcatruas praticadas (perdão esse que foi respaldado nas urnas; por maioria apertada, mas foi). As carências em saúde, segurança e infraestrutura são gritantes, e a inflação mostra de novo as suas unhas. Perto do dragão de 1994, ela ainda é um jacarezinho. Mas assim é que tudo começa.

O que ainda segura a situação do país são as taxas de emprego e os programas sociais, tipo Bolsa Família e outros. Mas a verba para isso não dura para sempre, já o sabemos de outras épocas. O Brasil não pode priorizar eternamente a distribuição de dinheiro sem o crescimento permanente das atividades geradoras de emprego e renda, coisa que governantes de viés socialista não compreendem ou não querem fazer. Manter uma grossa faixa da população dependente do governo é sempre um enorme trunfo para se perpetuar no poder.

“De muito gorda, a porca já não anda”, dizia a música ‘Cálice’ (que, ao cantar-se, virava ‘cale-se’), de Chico Buarque, numa alegoria sutil da ditadura. Com a saída dos militares, esperava-se um severo emagrecimento da suína imaginada pelo autor, mas o que vemos? Legislativo, Executivo e Judiciário convergem num incontestável quesito: engordar os gastos. Aumentar os próprios salários, criar mais cargos e funções, inventar novas regalias, lotar aviões para viajar mundo afora, eis aí a única coalizão que une os Três Poderes da República. Temos a democracia mais cara do mundo, e quem pode barateá-la são justamente aqueles que usufruem da gastança. Triste.

Diante desse quadro, aquela suína da ditadura parece até esbelta. E a porca atual não se salva nem com cirurgia bariátrica. O Chico Buarque ainda vive, poderia pegar uma verba da Lei Rouanet e atualizar a sua música.