Num museu da pequena cidade de Moulins, nos Alpes franceses, repousa uma obra de arte que retrata umas das maiores batalhas da história da Humanidade. Não é uma cena tirada de alguma guerra sangrenta. É tão somente o retrato de um poço e uma mulher nua tentando sair dele. O quadro, realizado em 1896 pelo artista francês Jean-Léon Gérôme, chama-se A Verdade saindo do poço. É uma obra sobre um eterno dilema do ser humano: a Verdade contra a Mentira.
Há uma lenda a respeito. Conta-se que, um dia, a Verdade e a Mentira se encontraram por acaso. A Verdade, que conhecia a má fama da outra, tratou logo de se afastar. “Espere” – disse a Mentira – “não há motivo para temer. Olhe só que belo dia, tão próprio para um passeio.” A Verdade olhou para o céu azul e teve que concordar: “Sim, está mesmo um belo dia.” Continuaram a caminhar juntas até chegarem à beira de um poço no meio do bosque. A Mentira encostou a mão na água e disse: “A água está limpa e agradável. Vamos tomar um banho juntas?” A Verdade fez o mesmo e concordou: “Sim, a água está muito boa.” Então, as duas se despiram e entraram na água.
O banho estava realmente delicioso. Aproveitando um momento em que a Verdade dava um pequeno mergulho, a Mentira pulou fora do poço, vestiu as roupas da Verdade e saiu correndo. Ao perceber isso, a Verdade nem pensou duas vezes. Decidiu que não vestiria as roupas da Mentira e saiu nua a perseguir a ladra. Ao andar assim por aldeias e cidades, a Verdade passou a ser injuriada, xingada e escorraçada pelas pessoas horrorizadas em vê-la nua. Embora dissesse que estava procurando a Mentira para reaver suas roupas, a Verdade nua não encontrava ajuda nem apoio. Portas se fechavam na sua cara, gentes de todas as classes a evitavam. Não encontrou abrigo nem dos ricos, nem dos pobres. Foi expulsa dos salões, das cortes, dos tribunais, dos púlpitos, dos altares, dos lares. Enquanto isso, a Mentira, usando as roupas da outra, era recebida com pompa e circunstância nos mesmos lugares de onde a Verdade tinha sido banida.
Triste e desiludida, a Verdade desistiu de tudo, voltou a mergulhar no poço e desapareceu para sempre escondendo a sua vergonha. E até hoje a Mentira anda pelo mundo disfarçada de Verdade, encantando a sociedade que prefere nela acreditar para não ter que encarar a Verdade nua.
Uma pesquisa realizada pela Universidade de Massachusetts, nos Estados Unidos, aponta que duas pessoas, ao se conhecerem, mentem, em média, três vezes nos primeiros dez minutos de conversa. Falar “mentiras sociais” faz parte da convivência em sociedade. A mentira, porém, pode se tornar compulsiva e aí adquire caráter de doença. Mas o que faz mal ao mundo é a mentira ardilosa, urdida, aquela que tem um objetivo sórdido, aquela que destrói um relacionamento, uma carreira, uma vida. Nas esferas do Poder é onde a Mentira se torna mais estruturada e sedutora. Um conjunto de mentiras bem sustentadas e repetidas pode destruir a dignidade de um povo e o futuro de uma nação.
Se a mentira já viajava rápido antes da invenção da roda, hoje ela é instantânea e onipresente graças aos computadores e celulares. O mesmo aplicativo que nos conta uma bela parábola, como a que foi aqui transcrita, também tenta nos influenciar e enganar várias vezes a cada dia. A Internet e suas redes sociais deveriam esvaziar o poço, reabilitar a Verdade e apresentá-la ao Mundo em tempo real. Porém, ocorre o contrário: é o poço que cada vez mais se enche de água.