Venâncio Aires - Meu avô viveu numa época em que as casas não tinham muros e as janelas não tinham grades, nem mesmo venezianas. Talvez prevendo um tempo de insegurança que um dia viria, ela amarrava meia dúzia de latas de azeite vazias com um barbante e as pendurava nas janelas por dentro da casa. Se algum intruso tentasse entrar, o barulho das latas o espantaria. E meu avô acordaria já com o revólver em punho. Sim, as pessoas comuns podiam ter armas em casa. Por causa disso, os ladrões pensavam duas vezes antes de praticar um assalto. Mas meu avô morreu com quase 90 anos sem nunca ter sido despertado pelo barulho das latas.

Os ladrões daquela época, que não eram muitos, temiam duas coisas. Uma delas era a polícia. Se um sujeito fosse pego em flagrante, ou mesmo sendo denunciado no dia seguinte, a primeira coisa que lhe acontecia era uma surra de borracha. A “borracha” era a denominação popular do cassetete da época. “Vou chamar o soldado pra te dar uma tunda de borracha” era uma ameaça que fazia muito delinquente desistir da vida criminosa. Se não bastasse, o “soldado” ainda prendia o sujeito e o deixava no xadrez por uns bons dias. Simples assim.

A outra coisa que as pessoas temiam naqueles tempos era a religião. Sim, roubar era pecado mortal e Deus com certeza puniria o ladrão ainda nesta vida, ou na ardência eterna do fogo do Inferno. Ninguém escaparia, vivo ou morto, da Justiça Divina.
Mas o tempo foi passando. A justiça instantânea do “soldado” passou a enfrentar cada vez mais burocracias.

Os “direitos humanos” estenderam seu manto sobre delinquentes que seriam considerados “vítimas da sociedade” e de um sistema carcerário inútil para a sua ressocialização. E, ainda, favorecidos por leis tênues e cadeias vulneráveis. Já as religiões foram ficando menos misteriosas, os pecados foram ficando cada vez mais relativos e brandos, o Inferno deixou de ser um lugar concreto, o Diabo de chifres e tridente desapareceu e o próprio Deus parecia mais indulgente.

Sem certa dose de medo, não há respeito. Sem respeito, não há hierarquia. Sem hierarquia, é o caos. Este é o tempo em que vivemos. Quando a realidade fica muito dura, cruel e desgovernada como agora, as pessoas tendem ao escapismo. Isso mesmo, escapismo vem de escapar. É preciso escapar da realidade para diminuir o estresse. Abre-se novo espaço para um misticismo fantasioso e para o mundo encantado das redes sociais, onde verdade, ilusão e mentira formam um emaranhado quase impenetrável.

Quem vive salvando a própria pele da violência de todos os dias tem o direito de chegar em casa e sonhar com uma vida onde a pessoa que pratica o bem seja recompensada, protegida pela lei e por Deus. Onde não morram crianças por balas perdidas, onde não se morra baleado num assalto na porta da casa, onde não se esteja o tempo inteiro exposto à bestialidade humana.

Descrentes das leis e da misericórdia humana, nada mais resta às pessoas do que sonhar com um Deus mais presente e mais intervencionista que proteja os bons e volte a assustar os maus.