Doces de velho

O apetite por comidas quentes e encorpadas que sentimos no inverno é puro instinto de sobrevivência. Nosso corpo precisa manter a temperatura dos órgãos internos em 36,5 graus Celsius, e isso se faz com grossos agasalhos e alimentos calóricos. Aumentar de peso nunca é um objetivo, mas sim uma consequência dos exageros que cometemos na intenção de preservar a vida.

Porém, não são somente mocotós, feijoadas e vacas atoladas que nos “salvam”. As doçuras também apetecem mais no clima frio, especialmente uma categoria que está ameaçada de extinção, aqueles que modernamente passaram a ser chamados de “doces de velho”.

São guloseimas antigas, extremamente saborosas, criadas com ingredientes simples e naturais pelos nossos antepassados. Doces que reinaram absolutos em qualquer festa e que, agora, são discriminados nos aniversários infantis e nos eventos de adultos jovens. “Não bota doce de velho que ninguém come, só os velhos, mas estes quase não vão mais a festas.” É o que se ouve por aí com frequência cada vez maior.

E lá vai a lista das doçuras que não farão parte da mesa decorada e dos pratos volantes: quindim, olho de sogra, papo de anjo, cajuzinho, camafeu, bem-casados, arroz-de-leite, entre outros, que não vou citar aqui porque mudaram de nome devido ao patrulhamento “politicamente correto”.

Ao morder qualquer um dessas iguarias fora de moda, a nossa geração volta no tempo, retorna a uma infância descomplicada, livre de muros e câmaras de segurança, nosso cérebro se inunda de dopamina, o hormônio da felicidade e do bem-estar. Nosso corpo se lembra dos abraços carinhosos das mães e avós, da proteção do pai, da alegria das brincadeiras saudáveis com primos e amigos. Porém, ao oferecermos aos nossos netos um quindim, um camafeu, um olho de sogra, veremos neles uma expressão de repulsa de quem nunca provou ou uma carinha de nojo, se algum deles se atreveu a mordiscar a estranha guloseima. Qual será o doce que as crianças de hoje lembrarão quando ficarem velhos?

Gosto é gosto, mas nós, os antigos, temos o direito de reivindicar. Aqui no nosso Rio Grande, somos mais de vinte por cento da população, há cerca de dois milhões e quinhentos mil pessoas acima de 60 anos. Somos o estado com maior número de idosos do país. No Brasil inteiro, os idosos cresceram cinquenta e sete por cento em doze anos. Todo esse público está aí, ávido para consumir, com um bom poder aquisitivo, esperando do mercado uma atenção maior do que anúncios de remédios e casas de repouso.

Vamos nos mexer, veteranos! Há um monte de receitas que já estão quase perdidas: mocotó, carreteiro de charque, rabada com aipim, galinha caipira com massa e tantas outras delícias. Vamos mostrar nossa força de consumo! Sushi? Só se for cozido e quente. E, de sobremesa, doces de velho, ou uma boa fatia de torta Marta Rocha, ou duas bolas de sorvete de creme com passas ao rum. E sagu de vinho, é claro. Ah, também comprar uma balança de banheiro; e de vez em quando dar uma passada no cardiologista!

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