“Jesus está morto e o Diabo está solto”. As crianças de antigamente arregalavam os olhos ao ouvir essa frase ameaçadora em todas as Sextas Feiras Santas. Adultos também levavam a sério os temores daquele dia fatídico para os cristãos e, por isso, tentavam seguir uma extensa lista de proibições que duravam 24 horas: não comer carne, não pentear os cabelos, não manusear tesouras e agulhas, não fazer a barba nem cortar os cabelos, não ouvir músicas exceto as sacras, não cantar, não gritar, não dar risadas, não bater nos filhos, não fazer sexo, não dançar, não subir em árvores, não jogar futebol; e assim por diante.
Para compensar, no Sábado de Aleluia tudo isso já era de novo permitido, geralmente com exageros. Churrascadas e beberagens já emendavam com a abundância de chocolates no Domingo de Páscoa. Os efeitos colaterais apareciam em forma de intoxicações alimentares, congestões de cacau, espinhas de peixe trancadas na garganta, porres, algumas brigas com facadas aqui e acolá. Enfim, era a humanidade voltando rapidamente para o seu estado normal daquela época ainda tranquila.
Nada como uma década depois da outra para ficar tudo pior. Ninguém duvide de que, nos dias de hoje, o próprio Satanás esteja embasbacado com certas ações humanas. Ele próprio, o Diabo, o Rei das Trevas, o Maligno, deveria pleitear uma vaga de estagiário aqui na Terra para aprender novas maldades. Seria uma espécie de pós-graduação. De quem é a culpa da degradação da espécie humana que rouba, estupra, detona bombas, envenena, esquarteja, mata criancinhas sem esboçar o mínimo esgar de remorso?
A culpa é coletiva. A sociedade se tornou condescendente demais com a falta de respeito, a inexistência de princípios, o mau exemplo dos líderes, a frouxidão das leis, as oscilações da justiça, tudo isso se refletindo na segurança da população e culminando na inércia moral.
A sociedade dá tapinhas nas costas dos canalhas e fecha os olhos para os meliantes. Não nos enganemos: a maldade é própria do ser humano. Ela não deixará de existir por temor a Deus ou ao Diabo. Ela deve ser combatida e castigada aqui mesmo, e não nas incertezas da eternidade. Nas partes do mundo onde ainda é possível ter-se uma vida sem riscos, onde os crimes de morte são escassos e não existe roubalheira desenfreada, há leis cumpridas, há polícia forte e numerosa, há justiça firme e cadeias seguras. Esse é o verdadeiro temor que a sociedade deve ter, é esse rigor que constrange e sufoca os piores instintos humanos. Se isso é possível em algum lugar, por que não o é aqui também?
A Páscoa é um símbolo de esperança, e a vida precisa disso. Vai demorar para melhorar? Vai. Foram as próprias pessoas que cavaram este poço sem fundo. Será apenas por nossas mãos, por nossas escolhas, decisões e ações que poderemos sair dele. Sem ameaçar com o Diabo ou esperar as defesas somente pelas mãos de Deus.