O outro trilhão

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A Noruega é o país menos corrupto do mundo, mas também é o lugar onde um chope de meio litro pode custar cinquenta reais. É bem possível que alguns bons bebedores preferissem um pouco mais de corrupção em troca da bebida mais em conta, mas não existe correlação entre uma coisa e outra.

A qualidade de vida dos noruegueses é muito elevada porque o Estado não fica lhes devendo nada. Por isso, os altos impostos, que podem chegar a 46 por cento no topo da pirâmide, não são motivo de reclamação. Sem precisar gastar em itens básicos como saúde, educação, segurança e mobilidade, sobra dinheiro para os cidadãos levarem uma vida confortável.

Em Amsterdam, Holanda, os grandes congestionamentos de trânsito se resumem a um entrevero de bicicletas nas horas de pico. Lá, o turista desavisado corre muito mais risco de ser atropelado por uma bicicleta do que por carros. Os imensos estacionamentos de bicicletas estão por toda a parte, especialmente próximos a terminais de trens, bondes e barcos que proporcionam um transporte público de excelência.

A cidade de Brugges, na Bélgica, se vê invadida diariamente por uma horda de turistas que congestionam as ruas deixando pouco espaço para os carros cujos motoristas tentam ziguezaguear no meio da multidão. É como dirigir no meio da procissão do Bastião o tempo todo em todas as ruas centrais. Ao final do dia, quando as excursões terrestres e marítimas vão embora, não há papéis e copos plásticos no chão e, se houver, as máquinas de limpeza já estão recolhendo o lixo e lavando ruas e calçadas com escovas rotativas.

A Europa sempre parece uma maravilha para quem vai e não há como não suspirar por ficar morando lá, ou, quem sabe, trazer para cá toda aquela sólida qualidade de vida que parece estar existindo desde sempre. Só que não. A história europeia é uma das mais sangrentas e trágicas do mundo. O povo padeceu todos os tipos de sofrimentos possíveis sob o poder dos homens. Aquelas cidades muradas com seus castelos no alto dos montes não estão lá para bonito; eram uma maneira de se defender de invasões de outros povos. Os reis, supostamente ungidos por desígnio divino, oprimiam a população sem dar-lhes direito a propriedade. Tudo era do rei, ou dos nobres nomeados pelo rei, ou da Igreja, que fechava os olhos para as atrocidades e mantinha o povo na obediência a Deus e ao rei com ameaças do fogo eterno do Inferno, o qual, hoje em dia, caiu de moda. As belezas arquitetônicas dos palácios, castelos e catedrais foram lavadas pelo suor e o sangue dos humildes que morriam de fome por toda a parte.

Se assim não fosse, não haveria a necessidade de alemães, irlandeses, holandeses, italianos se aventurarem no mar sem fim para tentar uma vida melhor nas Américas, onde conseguiram construir os sonhos que a opressão em suas terras natais não lhes permitiu.
A transformação europeia que ocorreu nos últimos cem anos não caiu do céu: foi forjada por corpos e mentes que encontraram meios de acabar com privilégios, desigualdades e guerras.

Aqui no Brasil ainda há de chegar o dia em que os privilégios dos Três Poderes diminuam até um patamar suportável. Claro, isso não acontecerá por vontade de Deus ou das classes dominantes, mas pela insistência dos cidadãos, pela melhoria gradativa educacional, intelectual e ética do povo. Para melhorar o país, nós todos temos que melhorar primeiro.
A reforma da previdência pretende poupar um trilhão de reais em dez anos. Estudos apontam que, cortando as despesas supérfluas dos Três Poderes, se economizaria outro trilhão. Mas disso ninguém fala.

    

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