Seu Nonato tinha um sítio que nunca dava lucro. A principal atividade era um aviário com milhares de frangos que, com o perdão do trocadilho, vivia sendo ‘depenado’. As telas de proteção apareciam rasgadas, a cerca elétrica cortada, o estoque de ração era saqueado. Havia o desaparecimento frequente de frangos, galinhas poedeiras e ovos. Raposas gordas se criavam aos montes pelas redondezas da propriedade e até dentro dela.
Seu Nonato reuniu as suas últimas economias e resolveu investir num grande projeto de gestão e segurança da granja. Ele tinha em mente tudo o que precisava ser feito e já foi contratando a melhor mão de obra disponível. Porém, logo descobriu que nada iria adiante se não fossem feitos os devidos processos legais. Foi procurar um grande escritório especializado. Descobriu, incrédulo, que todas as empresas do ramo, mas todas mesmo, eram de propriedade de… raposas! “Como assim, raposas fazendo projetos de aviários? Nunca vi disso!” – reagiu seu Nonato. E ouviu a resposta de uma delas: “Quem melhor do que nós conhece os pontos fracos de um sítio?”
Sem opções, encomendou o custoso projeto. Perplexo, descobriu que iria encontrar pela frente, mais raposas, muitas mais. A tramitação da papelada passou por incontáveis instâncias, onde humanos e raposas trabalhavam (ou atrapalhavam) juntos. Havia até gente bem intencionada, mas nada escapava do controle rígido dos animais felpudos. Tudo custava dinheiro: uma repartição criava as dificuldades e outra vendia as facilidades. Seu Nonato percebeu que, se um dia conseguisse concluir o projeto, ficaria ainda mais dependente das raposas. Resultado final: vendeu barato o sítio para as próprias e foi viver pobremente num lugar distante onde nunca mais ouvisse um só cacarejo.
O Brasil não é nenhuma granja e o seu povo não se cobre de penas ou pelos. Temos um presidente com vontade de fazer mudanças radicais. Sua improvável eleição ocorreu porque o povo tinha essa mesma vontade. Foi montada uma equipe de governo com capacidade bem acima da média dos anteriores. O presidente conseguiu fazer isso com mínima interferência política, o famoso toma-lá-dá cá. A chiadeira ficou reprimida. Porém, na hora de governar e transformar, vem a conta. É como se o Congresso brasileiro estivesse dizendo: NÓS é quem fazemos as leis. Por aqui nada passa sem a NOSSA aprovação. Jamais iremos aprovar nada que NOS prejudique. Não queremos perder o NOSSO poder, as NOSSAS mordomias, já o Brasil é outra coisa.
Notórios membros do Judiciário, talvez mordidos pelo sentimento de inveja do protagonismo de algumas personalidades públicas, dão sinais de que a interpretação das leis é um estica-encolhe onde tudo pode e nada pode. A Constituição brasileira, que serve de escudo tanto para o bem quanto para o mal, é uma extensa colcha de retalhos elaborada ainda sob os reflexos do regime militar que se apagava. Está cheia de direitos, garantias, instâncias e foros privilegiados que tornam certas pessoas intocáveis.
A grande imprensa acorda cada dia mais cedo para procurar palavras impróprias saídas da boca do presidente – e ele não tem poupado as falas –, bem como as últimas revelações dos hackers da Internet que, a serviço de alguém, tentam transformar em criminosos justamente aqueles que ousaram ir além do convencional no intuito de desmascarar corruptos.
Seu Nonato abandonou o sítio, mas nós não podemos abandonar o Brasil. Restam-nos as redes sociais que já provaram ser possível fazer-se uma revolução sem quarteladas e sem sangue.