O sorriso do cachorro

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Tem gente que enxerga expressões faciais humanas nos seus animais de estimação. Não sei se escrevo faciais ou “focinhais”. Roberto Carlos diz numa música que o seu cachorro lhe “sorriu latindo”. Também li, não sei onde, sobre um cão que morrera sorrindo, segundo a afirmação do dono. O papa Francisco disse certa vez que os cães também merecem o paraíso, gerando uma apressada discussão sobre a existência da alma também nos animais, coisa sempre negada pela Igreja. É tanto amor, merecido, por bichinhos de estimação que devo ter levantado, já no início desta coluna, uma discussão a respeito dos sentimentos dos animais. Que eles os têm, não há dúvidas. Mas o que lhes falta é maneira de expressar todos eles.

Nós, humanos, pelo contrário, evoluímos tanto na escala zoológica que viramos artistas em expressões faciais. Além das dezenas de músculos que dominamos com perfeição para fazer as mais diferentes caras e bocas (salvo algum botox mal aplicado), temos o dom da fala, que não se limita a miados, latidos e alguns grunhidos indecifráveis. Nossa voz tem tantas propriedades que podemos transmitir, ou disfarçar, através dela todos os nossos sentimentos em suas variações mais sutis. Associem-se então sentimentos, inteligência, voz, face, expressões corporais, e temos a perfeição. Nós, humanos, somos imbatíveis na comunicação e é por isso que podemos dominar todos os outros seres vivos do planeta.

Entre as nossas exclusividades, temos o dom de dissimular, fingir e mentir. Isso os animais definitivamente não têm! Cães e gatos, leões e elefantes jamais poderiam ser candidatos a nada, por exemplo. Na campanha eleitoral ou durante um mandato jamais conseguiriam formular promessas falsas nem negar reais intenções. Já imaginou seu cãozinho pronunciando “mudança na matriz tributária”? Atualização da planta de valores? Readequação tarifária? Ajustes em alguns tributos? Redução de desbalanceamentos setoriais da carga tributária? Pela sinceridade da sua natureza, se falasse, seu cão chamaria isso tudo de “aumento de impostos”!

Quando houvesse roubo do dinheiro público, seu gato não diria que é “desvio de ética”, “subtração de valores” ou “mal-feitos”. E os desfalques não seriam denominados de “inadequação contábil”. Se fosse deputado, um bichinho não falaria sobre uma “lei contra o abuso de autoridade”. Diria apenas: “Eu quero ficar solto!” Ao brigarem por cargos públicos bem nutridos, nossos animais não diriam que é uma luta para “servir ao país”. E quando legislassem sobre o próprio salário não falariam em “recomposição de subsídios defasados”, termos que não caberiam na língua e na falta de sutileza animal.

No campo das relações interpessoais, os humanos também são muito sutis. É o chamado “fingimento social”. Existem até pessoas especializadas que escrevem dicas em livros e jornais de como se portar em sociedade. Esqueceu do aniversário da amiga? Mande flores e um cartão dizendo que teve um problema de última hora. Querem sua opinião sobre a namorada do Fulano (que não parece nenhuma miss, pelo contrário, é feiosinha). Diga que é “muito querida”, “simpática”, “inteligente”, “educada”. Quando nem isso for cabível, fale então que é “uma boa pessoa”.

Sim, somos mesmo muito evoluídos. A tal ponto de não querermos, com certeza, que nossos queridos cães, gatos e papagaios evoluam tanto quanto nós. Ninguém aguentaria em casa mascotes tão humanamente dissimulados. Melhor é deixar assim mesmo: au é au, miau é miau.

    

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