Não há angústia maior do que atender uma parada cardíaca sem ter em mãos um aparelho chamado cardioversor ou desfibrilador. Você vê isso nos filmes: alguém está fazendo uma massagem cardíaca, aí vem o médico e aplica o choque com duas pás no peito do paciente. Esse é um procedimento insubstituível, porque aquilo que se costuma chamar de parada cardíaca é, na verdade, uma arritmia denominada fibrilação ventricular, onde o coração apresenta um ritmo desordenado de 400 ou 500 batimentos por minuto que não são efetivos, ou seja, não impulsionam o sangue para o corpo, e tornam a morte uma certeza em dois ou três minutos. O choque elétrico é a única forma de fazer o coração voltar a bater de forma eficaz.
Esse aparelho vital não havia no Hospital São Sebastião Mártir quando aqui me estabeleci em 1976. Não havia dinheiro para adquiri-lo. Era muito difícil manter um paciente infartado em segurança sem a retaguarda do aparelho. Também era arriscado mandar cada paciente grave a Porto Alegre devido à escassez e à precariedade das ambulâncias. Depois de muitos pedidos infrutíferos, eis que o antigo Funrural faz uma doação de um desfibrilador para o hospital. Quase um milagre! A partir daí, mesmo sem termos uma UTI, era possível tratar com mais segurança os pacientes cardiológicos. Já os eletrocardiogramas eram feitos com o meu aparelho portátil, levado do consultório todas as tardes, até que o hospital adquirisse um.
Mesmo com as limitações técnicas da época era possível fazer bons diagnósticos. Lembro-me bem do primeiro marca-passo, da primeira ponte de safena, das primeiras cirurgias valvulares de adultos e crianças, todos os pacientes diagnosticados com o que se tinha aqui: eletro, raio-x, estetoscópio e ouvido. E depois encaminhados a Porto Alegre para os respectivos procedimentos.
Eram desafiadores aqueles tempos. Apenas dez médicos trabalhavam em Venâncio (hoje, são uns 180) e cada especialista que chegava trazia várias demandas por melhorias nas suas respectivas áreas. Mas eu sempre me lembro com admiração e respeito de uma categoria de médicos que já atuavam aqui quando cheguei. Tratavam adultos e crianças, faziam partos e cesáreas, cirurgia geral, reduziam fraturas, enfim, atendiam o que viesse. Eram conhecidos por clínicos gerais; hoje penso que podiam ser chamados de ‘médicos-raiz’. Acho justo nomeá-los: doutores Armando Ruschel, Athos Pereira Granja, Clécio Schmaedecke, Pedro Antonio Thomaz da Silva, Plinio Luiz da Silva, Valmir Pochmann e João Oscar Fürst, este último ainda atuante. Venâncio Aires e o HSSM devem muito a eles por sua medicina corajosa e às vezes heroica.
A História só é realmente verdadeira enquanto está acontecendo. A História aproxima-se da verdade quando é recontada por quem a presenciou. Qualquer outra tentativa de reconstituí-la terá falhas e omissões. Nos 90 anos do HSSM, certamente restam anônimos incontáveis colaboradores que deram o melhor de si para manter viva essa Casa com suas imensas dificuldades. Essa é a interminável sina de uma instituição que prioriza a saúde pública. Mas é também imenso o orgulho por continuar existindo com dignidade.